Roman Polanski


O pesadelo de Roman Polanski tem de acabar

por Bernard Henri-Lévy
13.01.2010

Será possível terminar um filme à distância,
sem estar lá para reenquadrar ou retocar uma imagem?
Se estivermos a falar de Roman Polanski, a resposta é sim

Relativamente ao tempo que passei com Roman Polanski no seu chalé na Suíça: obviamente, por uma questão de princípio, não tenho nada a dizer. Porém, visto que a imprensa comentou a minha visita e se comporta como se eu andasse a expor a matéria, gostaria de clarificar algumas coisas.

Em primeiro lugar, Roman Polanski está, de momento, livre. Está em casa, rodeado pela família, autorizado a ver os amigos e os advogados. Contudo, não é possível ignorar o facto de que nada foi determinado quanto ao pedido de extradição.

O realizador de 76 anos, que os EUA querem levar a tribunal por um acto sexual ilícito cometido com uma menor há mais de 30 anos, permanece em prisão domiciliária e é obrigado a usar uma pulseira electrónica no tornozelo - uma profunda humilhação a acrescentar a um infâmia.

Polanski já não está na prisão, mas como se pode qualificar a liberdade de um homem que não pode atravessar a soleira da própria porta nem espreitar pela janela? Este homem e a família são forçados a viver na sombra porque um batalhão de fotógrafos os espia constantemente, espreitando por persianas ou cortinas entreabertas, procurando sinais de vida.

Eles estão ali, posicionados num outeiro ou atrás dos arbustos, de onde quer que tenham uma boa vista e - porque não - um melhor ângulo de disparo das máquinas fotográficas.

Livre da prisão, Polanski é agora prisioneiro da sociedade do espectáculo, assediado pela multidão. Isto tem de parar. Polanski, e o mundo têm de ter a possibilidade de acordar deste pesadelo.

Para que isto aconteça, o povo suíço precisa de ouvir, compreender e dominar-se. Um país onde um condenado a prisão perpétua é muitas vezes libertado depois de 15 anos não pode perseguir um homem para depois o encarcerar e humilhar por um acto sexual ilegal com uma menor cometido há 30 anos.

Relativamente à Suíça: a situação apresenta mais contrastes do que poderia ter imaginado a partir de Paris ou de Nova Iorque. Sem entrar em pormenores, sinto uma ambivalência crescente neste país que montou uma armadilha a Polanski - a qual levou à sua detenção e prisão em Setembro - e abusou da sua confiança. Neste momento, a Suíça talvez comece a perceber o absurdo da situação.

Polanski recebe todos os dias maços de cartas de apoio de cidadãos comuns. Os vizinhos oferecem-lhe constantemente provas concretas da sua solidariedade e compaixão, juntamente com expressões de pesar e de defesa.

Na comunicação social suíça, Polanski já não é propriamente tratado como uma criatura doentia, um pária, um autor de crimes contra a humanidade.

Há muitos jornalistas, editorialistas e colunistas que começam a achar estranho um homem que se sentia em casa no seu país, que passou ali os seus Invernos e muitas férias ao longo de décadas, seja de repente tratado como um terrorista.

Será que os juízes suíços, que devem determinar a validade do pedido de extradição, vão ouvir os murmúrios da opinião pública? Será que o Gabinete Federal de Justiça, que instigou a prisão de Polanski, compreenderá o erro que cometeu?

Tomará consciência da duradoura mancha de desonra que as suas acções acarretam, o insulto implícito às próprias tradições suíças de aceitação e refúgio? Fazê-lo seria seguir o caminho da sabedoria e da razão. Curiosamente, esperei que o fizessem.

Quanto ao próprio Polanski, sinto-me compelido a dizer apenas uma coisa - algo que me parece incrivelmente surpreendente, impressionante e comovente. Ao longo desta provação, Polanski continuou a trabalhar.

O realizador passa os dias e as noites a terminar o seu último filme. Por invulgar que isto possa parecer, Roman Polanski parece menos preocupado com os demónios e vampiros que o rodeiam, tentando derrubá-lo, que com as personagens que povoarão um filme que se há-de intitular "The Ghost Writer."

Para ele, as personagens do filme são muito mais vivas que os espectros e os mortos-vivos que o ameaçam na vida real.

Será de facto possível terminar um filme assim? Verificar a cor à distância? Cortar uma imagem ou meio segundo de som ao telefone? Sem estar lá, e das profundezas daquilo que continua a ser uma prisão, será possível retocar um céu, reenquadrar um sorriso, reescrever uma emoção? Poder--se-á transformar uma obra em realidade material através da imaginação e das ideias?

Se essa pessoa for Roman Polanski, a resposta é sim. Este ser descomprometido e indomável tem atra- vessado os círculos do inferno e suportado todas as torturas que o destino pode infligir a um homem - e conseguiu permanecer a pessoa que sempre foi.

Este filme, se for a grande obra que acredito que seja, servirá de prova para o realizador. Será um novo "Cadernos do Subterrâneo" - uma lição de coragem e de verdade, de Roman Polanski.