A escola que virou clube de strip


A desertificação de Illinois

18.06. 2010
Onde havia crianças e professores há agora

varões e dançarinas. Ficaram as tabuadas nas paredes

Nas paredes da velha Pioneer School, os símbolos não parecem ter mudado muito desde os anos 80: uma tabuada de multiplicação numa parede, um exemplar da Constituição noutra.

Mas à entrada do refeitório, onde várias gerações de alunos desta localidade rural do centro do Illinois almoçaram, um anúncio revela a escala da mudança sofrida pelo velho edifício de tijolo de barro amarelado: "As nossas bailarinas são animadoras e não prostitutas, por isso nem pergunte!"

O edifício, vendido pela direção escolar local em 2002, reabriu recentemente como clube de striptease, para choque dos residentes de Cumberland County - muitos dos quais cruzaram os corredores e salas quando crianças e só uma semana antes da reabertura descobriram qual seria a nova utilização do espaço.

Os que querem ver o clube de striptease encerrado protestam regularmente. Numa prece dirigida aos frequentadores para que tomem consciência dos caminhos ínvios que percorrem, afixaram uma pequena cruz iluminada e um cartaz onde se lê: "A sua família sabe por onde anda? Jesus sabe."

"Não queremos este tipo de porcaria no nosso município", diz Bill Moran, de 70 anos, que vive do outro lado da rua. "O resultado de um sítio destes são violações, doenças venéreas e muitos divórcios."

Outros, entre os quais os donos, dizem que se trata de um empreendimento legal que veio beneficiar a localidade com a criação de postos de trabalho.

"Não acho mesmo que seja mau, já que está a ajudar em termos financeiros", diz Danny Reed, de 25 anos, electricista, que diz nunca ter ido ao clube. "É uma terra pequena. Ou temos trabalho na bomba de gasolina ou estamos desempregados."

Situado a cerca de cinco quilómetros da localidade, o clube, de seu nome School House (Casa da Escola), tira muito partido do historial do edifício. Nas paredes estão pendurados retratos dos presidentes dos EUA a par de um exemplar do Pledge of Allegiance [juramento de lealdade à bandeira e ao país] e os proprietários converteram uma sala de professores num espaço para festas privadas. O antigo refeitório abriga agora um pequeno palco, com dois varões de latão.

Bob Kearney, de 40 anos, eletricista desempregado, é, com Travis Funneman, co-proprietário do negócio, que descreve como "acima de qualquer suspeita".

"Não havia impedimento urbanístico algum", diz Kearney, acrescentando que publicou os editais requeridos por lei no jornal local a anunciar a sua intenção de abrir um negócio, embora omitindo um importante aspecto. "Ninguém nos contatou. É verdade que não dissemos que íamos abrir um clube para cavalheiros."

O clube não tem licença para vender bebidas alcoólicas (embora os frequentadores possam levar caixas frigoríficas com cerveja em lata), o que explica por que razão não foi necessário passar por outros trâmites legais.

"É como se tivessem avançado de mansinho ao abrigo do nosso ângulo cego", diz Robert Swearingen, presidente da assembleia de Cumberland County.

Alguns vizinhos já se queixaram de ter encontrado frequentadores do local bêbados, no perímetro das suas propriedades. No entanto, a maioria dos residentes diz que o fato de eles frequentarem uma antiga escola primária é duplamente odioso.

"É uma corrupção das minhas recordações", diz Michelle Porter, de 33 anos, antiga aluna.

Kearney, que diz ter gasto milhares de dólares a remodelar o edifício, afirma: "Se essas pessoas têm memórias tão gratas do local, deviam ter vergonha, porque estava a ruir."

As vinte e tantas dançarinas têm idades entre 19 e 46. Numa noite normal, um par de strippers trepa e desliza no varão ao som de Van Halen, perante um grupo apático de uns dez homens.

Uma das mulheres, que trabalha para completar os seus estudos, diz que já chegou a ganhar cerca de 700 dólares numa noite no clube - o único num raio de 100 quilómetros -, mas está chocada com a recepção do município. "Chamam-nos pegas", diz a dançarina, cujo nome de guerra é Gigi. "Dizem que se deve odiar o pecado e amar o pecador, mas fica-se com a sensação de que nos querem mandar para o Inferno", conta.

Mafias, "patrimônio da humanidade"


Crime

Não se acredita nas mafias,
mas que as há, há
27.03. 2010



Portugal é uma das portas de entrada de droga na Europa.

Tem 640 instituições de crédito e sociedades financeiras.

É fazer as contas


Grande parte das inúmeras máfias e organizações criminosas estão direta ou indiretamente ligadas a Portugal.

Em relação direta estão as duas principais organizações mafiosas italianas, a 'Ndranghetta e a Camorra, intimamente envolvidas no tráfico de cocaína da América do Sul que passa por Portugal.

Ou mesmo outras máfias de leste como a Panterkata da Bulgária, a russa Irmandade Solntsevskaya ou a Arkan da Sérvia, que são algumas das centenas de organizações que passam pelo nosso país e pela Espanha.

Segundo as autoridades, os mafiosos italianos raramente abandonam os refúgios na Itália, enquanto alguns membros das organizações de Leste e de outros países europeus chegam a instalar-se na Península Ibérica.

Há, por exemplo, registro de criminosos ingleses que foram detidos nos seus retiros do Algarve. Mas, segundo os dados policiais, falar em instalação de bases não faz sentido, uma vez que a maioria das máfias opera nos meandros do tráfico de droga e, dada a constante alteração de rotas e modus operandi, não têm bases permanentes.

A Polícia Judiciária monitoriza os suspeitos de pertencerem a estas organizações criminosas, mas eles próprios sabem que as autoridades não conseguem reunir provas em tempo útil.

Antes disso, desaparecem e são substituídos por novos membros, alteram as localizações, diversificam as operações, mudam os números de telefone e contatos. Ou seja, a investigação volta à estaca zero.

O i apurou que a 'Ndranghetta, uma das organizações italianas com maior ascensão nos últimos anos, deve o seu sucesso ao tráfico de cocaína. Pensa-se que a 'Ndranghetta fica com 10% da produção.

Todavia, todas as organizações mafiosas e terroristas podem estar envolvidas separada ou conjuntamente em diferentes rotas de tráfico. Numa investigação no final de 2009, a DEA (Drug Enforcement Administration) americana, através de um seu agente infiltrado, que se apresentou como pertencendo às FARC, negociou com três simpatizantes da Al Qaeda.

A ideia era transportar centenas de toneladas de cocaína sul-americana do Oeste africano para o Norte, com destino a Espanha. Foram presos. Segundo os investigadores, no caso das máfias, sobretudo depois da abertura das fronteiras, a cooperação internacional tem sido essencial para referenciar os colaboradores.
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Arqueologia divertida


Achado sapato de 5 500 anos

New York Times

Foi descoberto um sapato com 5500 anos de idade numa escavação na Armênia

por Pam Belluck


19.06.2010


Perfeitamente preservado sob camadas de estrume de ovelha (quem precisa de armários de cedro?), o sapato, feito de couro de vaca e envernizado com óleo de uma planta ou legume, tem cerca de 5500 anos de idade - mais antigo que Stonehenge e as pirâmides do Egito, dizem os cientistas. Os cordões de couro cruzam-se por vários ilhós também de couro, e foi usado no pé direito; não há sinal do sapato do pé esquerdo.

Embora se assemelhe mais a um sapato de sola suave da L. L. Bean que a qualquer coisa feita por Jimmy Choo, "estes sapatos eram, provavelmente, muito caros, feitos de couro de alta qualidade", diz Gregory Areshian, um dos principais responsáveis do Instituto Cotsen de Arqueologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Serviam a um homem pequeno ou a um adolescente, mas é mais provável que tivessem sido usados por uma mulher que calçasse 39. De acordo com o site www.celebrityshoesize.com, ficaria grande a Sarah Jessica Parker, cujos Manolo Blahnik são 38 e meio, e apertados a Sarah Palin, que, durante a campanha eleitoral de 2008, calçou sapatos vermelhos Double Dare da Naughty Monkey tamanho 40.

O sapato foi descoberto por cientistas que escavavam uma gruta enorme na Arménia e faz parte de um tesouro de artefatos que os especialistas dizem transmitir informações sem precedentes sobre uma era importante e pouco documentada: o calcolítico ou a Idade do Cobre, quando se pensa que os seres humanos inventaram a roda e domesticaram o cavalo, por exemplo.

Juntamente com o sapato, a gruta, designada Areni-1, oferece provas de uma operação antiga de fabrico de vinho e cachos do que poderão ser os mais antigos frutos secos de sempre: eram alperces, uvas e ameixas. Os cientistas, financiados pela National Geographic Society e outras instituições, encontraram também as caveiras de três adolescentes ("subadultos", em linguagem arqueológica) em vasos de cerâmica, o que sugere a existência de práticas rituais ou religiosas; uma caveira, afirma Areshian, continha até tecido cerebral ressequido bem mais antigo que o sapato, com cerca de 6 mil anos.

"É uma espécie de momento ao estilo de Pompeia, mas sem o fogo", diz Mitchell Rothman, antropólogo e especialista em calcolítico da Universidade de Widener, que não esteve envolvido na expedição. "O sapato é muito interessante, e é certamente algo que sublinha as descobertas inacreditáveis ali feitas. O mais importante é o significado do local. Temos a transição para o mundo moderno, precursora de reis, rainhas, burocratas, de tudo o que viria a acontecer."

Anteriormente, o sapato mais antigo pertencia a Oetzi, o Homem de Gelo, uma múmia descoberta há 19 anos nos Alpes, perto da fronteira da Áustria com a Itália. Os seus sapatos, cerca de 300 anos mais modernos que o sapato arménio, tinham sola de pele de urso, eram almofadados com pele de veado, rede de cortiça e tinham meias de relva. Há calçado ainda mais antigo que o sapato de couro, com exemplos encontrados no Missouri e no Oregon, mas feito principalmente de fibras de plantas.

A descoberta do sapato arménio, comunicada no PLoS One, um diário online, foi feita por baixo de uma das várias câmaras da gruta, quando uma estudante arménia de doutoramento, Diana Zardaryan, reparou num pequeno buraco com ervas. Quando enfiou a mão tocou em dois chifres de ovelha, depois numa tigela partida virada ao contrário. Debaixo de tudo isto estava o que parecia "uma orelha de vaca", recorda. "No entanto, quando puxei para fora pensei: 'Meu Deus, é um sapato!' Encontrar um sapato foi sempre o meu sonho."

Como a gruta foi utilizada por civilizações posteriores - a mais recente foi a dos mongóis do século xiv - "pensei que o sapato tivesse 600 ou 700 anos", afirma Areshian, que acrescentou: "Um sapato mongol teria sido excelente." Quando vários laboratórios distintos dataram o couro de 3653 a 3627 a. C., "não queríamos acreditar que um sapato pudesse ser tão antigo", diz.

O sapato não foi jogado fora mas, por razões pouco claras, acabou por ser deliberadamente posto no buraco, que por sua vez foi cuidadosamente forrado com barro amarelo. Embora os cientistas digam que o sapato foi enchido com relva, para manter a forma, foi claramente usado.

"Podemos ver as marcas no dedo grande", afirma outro líder da equipe, Ron Pinhasi, arqueólogo da Universidade de Cork, na Irlanda, para quem o sapato se assemelha aos velhos pampooties irlandeses, que eram chinelos de couro. "Enquanto foi usado, alguns dos ilhós foram rasgados e depois reparados."

Pinhasi diz que a gruta, descoberta em 97, parece ter sido utilizada principalmente por "pessoas de estatura elevada, pessoas que tinham poder", para armazenar a colheita e os objectos rituais daquela comunidade do calcolítico. Porém, também lá viviam pessoas comuns, possivelmente zeladores, o que providenciava, diz Areshian, o equivalente calcolítico do parqueamento personalizado.

Foram encontradas muitas ferramentas de vidro vulcânico, cuja fonte mais próxima se situa a quase 100 quilómetros (talvez fosse por isso que precisavam de sapatos, sugere Areshian).

"É um manancial de riqueza porque o estado de preservação é fantástico", afirma Adam T. Smith, um antropólogo da Universidade de Chicago que fazia uma investigação distinta na gruta. Distinguir os objetos do calcolítico dos artefactos de civilizações posteriores foi complicado. "Ainda não estamos inteiramente certos em relação à cronologia de todas as descobertas", diz. "O sapato é de certo modo a ponta do icebergue."

Lembranças da infância na Sibéria


Livro


Nicolai Lilin. Um cartão de memória cheio de crimes


por Nuno Castro
19.06. 2010


"Educação Siberiana" expõe um submundo criminoso e atrocidades cometidas na União Soviética. O autor avisa: "Se me querem matar, venham"

Esta história podia ser de um homem que teve o azar de crescer numa comunidade onde matar era uma lição que se aprendia cedo: aos seis ou sete anos, a criança tinha a honra de tirar a vida a um animal, numa espécie de cerimónia de iniciação ao crime.

Os outros azares sucediam-se em cadeia: aos dez anos os miúdos entravam para o clã dos menores, estatuto que lhes permitia começar a ter um papel ativo nos crimes; aos 13 anos já tinham homicídios e prisões no currículo, já tinham sido presos, assistido a violações, torturas e assassinatos de familiares.

Tudo isto, recorda Nicolai Lilin no livro "Educação Siberiana", se passou em terra-de-ninguém: a Transnístria, um país do Leste Europeu que nem aparece nas enciclopédias e vive numa encruzilhada legal - já foi da União Soviética, declarou independência em 90, voltou a ser ocupado e depois a Moldávia reclamou o território, enquanto outros declararam a sua autonomia com o apoio da Rússia.

Mas não foi uma história de azar que Nicolai Lilin, 30 anos, quis contar:

"Não sou nenhuma vítima, não choro, não me arrependo. Às vezes até recordo esses tempos com nostalgia. É como recordar uma queda de bicicleta em que partimos o braço... Era uma situação normal para nós. E transmitiram-me bons valores. Nunca me droguei, nunca recorri a violência extrema, apenas seguia as regras da comunidade. Tive amigos que morreram de overdose, outros meteram-se no tráfico de armas... nunca cometi esses erros. Acho que tive sorte."

Talvez tenha razão, tendo em conta que é esse passado violento que lhe sustenta o presente.

"Educação Siberiana", um romance baseado nas suas experiências em Transnístria, já vendeu mais de 100 mil exemplares na Itália (onde Nicolai vive), valeu-lhe elogios rasgados de Roberto Saviano (autor do polémico "Gomorra"), foi publicado em 20 países e vai ser adaptado ao cinema por Gabriele Salvatores (realizador de "Mediterrâneo", que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 92).

A mensagem de Saramago
No entanto, o reverso da fama e das crítica que faz à Rússia, tanto no livro como nas entrevistas posteriores, são as ameaças: "Quando o livro saiu recebi emails a dizer: 'Vamos matar-te a ti e à tua filha, bla, bla, bla...'

Respondo: não tenho medo. Lutei pela Rússia na Chechénia, matei muita gente, muita gente quis matar-me, fui ferido duas vezes. Não tenho medo de morrer. Se querem matar-me, venham. Tenho armas e proteção policial na Itália e sei defender-me. Se acham que são melhores, venham", explica ao i num hotel em Lisboa, onde esteve a promover o livro.

Sem polícias, mas com cabelo rapado, braços cobertos de tatuagens e polo preto com a inscrição "Pro Patria Italia" que desencorajariam qualquer investida - qual Edward Norton na pele de um neonazi violento em "América Proibida". Lilin desfaz equívocos:

"Sou apolítico, não tenho grandes ideais. Só não gosto de ditaduras." O polo? "É da academia de artes marciais onde sou instrutor na Itália. Ensinamos defesa pessoal a polícias, militares e profissionais."

Mais à frente vai eliminar qualquer traço da personagem de Edward Norton que pudesse restar: "Gosto muito de Saramago. Não pelos livros - tentei ler, mas não consegui -, mas pelos ideais e pelas mensagens."

O elogio do erro
Se Nicolai Lilin e a comunidade dos Urcas da Transnístria se opunham ao comunismo na União Soviética, não era pela ideologia, mas pelas vítimas que iam ficando pelo caminho:

"Desaparecia muita gente na cadeia e se isso acontecia a alguém próximo de mim, a reação era: 'I will fucking finish them!'" .

Mas aconteceu? "Sim, o meu tio foi espancado até à morte por agentes do KGB. Disseram-nos que fôssemos buscar o corpo porque ele tinha morrido de asma. Tinha sete anos, fui à cadeia com o meu avô e o cadáver estava cheio de feridas. Há muitas histórias assim na Sibéria."

Nicolai juntou-se à resistência. Participou em sabotagens e explosões de instituições do regime, enfrentou polícias. Até se fartar. A partir de certa altura quis deixar a União Soviética, mas o serviço militar apanhou-o a meio caminho. Aos 18 anos foi mobilizado para a guerra na Chechénia.

"Estive lá dois anos e três meses. Fiz o que tinha a fazer. Foi duro, mas sobrevivi." Depois da guerra passou por São Petersburgo, onde trabalhou como segurança privado. Em 2003 fixou-se definitivamente em Turim.

"Educação Siberiana" foi publicado seis anos depois. Hoje escreve em italiano e considera-se cidadão de Itália. Já publicou outro livro, "Caduta libera" (sobre a experiência na Chechénia, não editado emportuguês) e está a escrever o terceiro.

Em relação às dúvidas sobre a veracidade das informações históricas apresentadas em "Educação Siberiana" - levantadas pelo jornal italiano "La Stampa" -, o autor esclarece: "Não sou historiador nem fiz pesquisa. Até a minha mãe disse que havia muitos erros factuais no livro. Claro que há: é um romance baseado nas memórias de uma criança."
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Professores também apanham na Europa


Quase 300 professores agredidos num ano

letivo em escolas de Portugal


por Rosa Ramos
19.06. 2010



Balanço do programa Escola Segura revela aumento de 40% nas agressões em 2008/2009

Quase 300 professores foram agredidos só no ano letivo de 2008/2009, revela o relatório do programa Escola Segura ontem divulgado.


O número divulgado pelo Ministério da Educação representa um aumento de 40% em relação ao ano lectivo anterior. O documento mostra também que houve mais agressões ao pessoal não docente, tendo sido contabilizados 184 casos.

Mesmo assim, o número total de ocorrências registradas nas escolas portuguesas diminuiu 15%.

No ano letivo de 2008/2009 foram identificados 5134 casos - menos 905 que em 2007/2008.

Os números preocupam os sindicatos. Mário Nogueira espera que sirvam para levar o Ministério da Educação "a tomar finalmente uma medida que proteja os professores", apesar de reconhecer que o aumento de queixas possa ter a ver "com uma maior mediatização do assunto, que tem levado os docentes a denunciar mais".

Já Albino Almeida, presidente da Confederação das Associações de Pais, lamenta que o documento do ministério "não faça qualquer referência à situação dos processos em tribunal", o que "deixa a impressão de que as agressões não têm qualquer tipo de consequências".

"Como pai, dirigente sindical e cidadão sinto-me indignado, especialmente tendo em conta o esforço que tem sido empreendido no sentido de denunciar este tipo de situações", acrescenta.

Os números do programa Escola Segura revelam uma diminuição de 21,8% do número de agressões a alunos (1317 para 1029). Já as ocorrências no exterior das escolas aumentaram para 1609 casos. Os atos contra a liberdade e a integridade físicas ocupam o topo da tabela das ocorrências, seguidos pelos atos contra os bens e equipamento escolar. No capítulo das ações contra bens pessoais, o roubo de celulares lidera, abarcando 31,6% das ocorrências registradas.

As escolas com mais problemas continuam a ser as do distrito de Lisboa, apesar de ter aumentado o número de estabelecimentos sem ocorrências registradas.


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José Saramago Imortal



Saramago em 4 tempos

Tempo Primeiro
"Era um comunista agnóstico.
Era o seu próprio partido"

por Baptista-Bastos
19.o6. 2010

[Baptista-Bastos acompanhou-o nos desacordos com o PCP, na atenção minuciosa às coisas da vida, nas conversas sobre o marxismo e o partido. De Saramago ficou a memória de um "desobediente" que nunca foi "dissidente". ]

Havia, nele, uma atenção minuciosa às coisas da vida, fossem elas de natureza material ou transcendental. E sabia mais, muito mais de religião e de textos sagrados do que muitos dos que o criticavam. José Saramago aprendera, muito cedo, que uma ideia apela sempre para outra ideia, e que as sínteses parciais produzem o imobilismo.

Conversamos, muitas vezes, sobre a natureza do marxismo, a noção de partido, os ritos da obediência, os imperativos da consciência e os paradoxos da História que, como se sabe, é uma deusa cega.

O Saramago era um desobediente; não um «dissidente»: um desobediente porque refratário ao dogma de que «o partido tem sempre razão», mesmo quando a não tinha.

O fulgor da contradição era o ânimo do seu espírito. Não estava, permanentemente, a favor do contra; mas estar no contra, ser do contra fazia parte dessa dialética da totalidade que, afinal, é a substância que produz os homens livres.

Esteve, inúmeras vezes, em total e absoluto desacordo com a direção do PCP, e disse-o, alto e bom som, quando muitos outros utilizavam a surdina. Esteve para sair; não saiu. Sei do que falo porque encontrei-me envolvido no assunto. E não saiu porque não admitiu que as circunstâncias do acaso se transformassem numa espécie de ordem mecânica.

O PCP ignorara-o, na fundação de «o diário», ele estava desempregado e marcado pelos acontecimentos do 25 de Novembro, conducentes à substituição da direção do «Diário de Notícias», de que fazia parte. Deveremos entender como má-fé este episódio pouco claro?

Nem mesmo aí José Saramago se queixou, protestou ou saiu. Não deixou, porém de tomar posição, anos depois, quando um grupo de militantes condenou as indecisões dos dirigentes do PCP, acerca do «golpe» de Moscou. Nada impedia este homem de expor a força das suas causas e o poder das suas convicções. Porque de convicções se tratava e sempre se tratou.

Um comunista agnóstico, que acreditava na dialética como ciência e na sua incompatibilidade ocasional com as estratégias partidárias. Sopesadas bem as palavras, penso que Saramago era o seu próprio partido, e que o PCP a sua solidariedade institucional.

A tristeza essencial que deixava transparecer acentuou-se na proporção em que o mundo regredia nas opções sociais, e que Portugal acelerava uma decadência degenerescente, refletida em todos os setores da sociedade. Não parava, porém; mesmo quando a doença o atingiu rudemente. E não parava porque continuava a acreditar no poder da palavra, no império das ideias e na grandeza da dignidade humana.

...

Tempo Segundo
"O que passa à eternidade é o talento, o trabalho e dedicação"
por Francisco José Viegas
19.06.2010

[Em 91, Saramago mostrou a Francisco José Viegas as 444 páginas da primeira impressão de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". O escritor e jornalista tornar-se-ia um dos maiores especialistas na obra do Nobel]


Lembro o cenário: uma casa tranquila onde os objetos essenciais eram a mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar.

Estávamos na Ericeira e eu tinha combinado entrevistá-lo antes da edição de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", em 91. José Saramago escrevera e reescrevera o livro num 'videowriter', moderno na época; nessa tarde fez a primeira impressão do texto em papel.

Tinha exatamente 444 páginas. Saramago era cuidadoso com os seus livros - entregava os originais quase irrepreensíveis, sem rasuras. E falava sobre eles com uma notável clareza, muito rara. Recordo por isso quando me convidou para fazer a apresentação de "Ensaio sobre a Cegueira", de 95 - e como falava sobre o livro como se o tivesse escrito há muito tempo.

Esta aparente "facilidade" contrastava, no entanto, com a forma disciplinada - e até austera - que rodeava o seu processo de escrita.

Foi já depois da atribuição do Nobel, em Lanzarote (repetia-se o mesmo cenário: mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar) que pude perceber o trabalho que acompanhou a escrita de "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (que, juntamente com "Memorial do Convento" e "Ensaio sobre a Cegueira" constitui uma espécie de "trilogia do cânone"): uma agenda, dessas, antigas, domésticas, que Saramago tinha transformado num diário de Ricardo Reis escrito em Lisboa depois de regressar do Brasil, e que funcionaria como uma espécie de "segundo livro" que reuniria a parte estritamente documental do romance. Tudo tinha sido ali anotado, desde o preço do tabaco no Alentejo naquele ano, até à menção das crises diplomáticas que varriam a Europa e anunciavam o fascismo.

Esse trabalho oficinal sempre me apaixonou em José Saramago - e era justamente esse trabalho disciplinado que tornou possível uma obra monumental, escrita do ponto de vista da eternidade. Só um monumento pode fazê-lo.

A consagração de Saramago deve-se à literatura e à sua "intervenção cívica" mas só a literatura, que está ligada à eternidade, o irá transcrever mais tarde nas palavras da terra, no gigantesco poema do mundo, onde entrará "Manual de Pintura e Caligrafia", por exemplo, um livro injustamente esquecido, e essa "trilogia do cânone" onde estão inscritas as linhas de quase toda a sua obra: a atenção aos pequenos personagens (quase anónimos, quase insignificantes), o absurdo da História, a ideia de epopeia, a fragilidade do humano e do humanismo.

Tanto em "Levantado do Chão" como em "Memorial do Convento" ou em "Todos os Nomes", os seus grandes personagens são essencialmente humildes, anônimos e colhidos (e escondidos) da massa da multidão. Baltazar e Blimunda em vez do rei que manda construir o convento de Mafra; os camponeses e o cão atravessando os campos do Alentejo e ressuscitando no final, em vez dos "exemplos de classe"; uma mulher anónima e discreta que enfrenta a cegueira do mundo e interpreta as suas metáforas.

Mesmo o amor, mesmo o amor: é uma das suas mais belas histórias de amor, a de "História do Cerco de Lisboa", a que é vivida pela editora e pelo revisor - ele, mais uma vez, o homem anônimo, humilde, modesto, que representa toda a modéstia e toda a humildade dos homens e mulheres sem história (à maneira de Gogol; ou encarando o absurdo, como Kafka).

Creio, acreditei sempre - e escrevi-o - que Saramago era um homem extremamente religioso. Só um homem religioso pode rondar a blasfêmia e interrogar diretamente a figura de um Deus "humanamente injusto". O resto é polêmica, passagem, indignações. O que passará à eternidade é isso: talento, trabalho, dedicação.

...

Tempo Terceiro
"Ele construiu um mundo que no futuro vai extender o seu eco"
por José Luís Peixoto

19.06. 2010

Em 2001 o escritor José Luís Peixoto recebeu o Prêmio Literário José Saramago pelo livro "Nenhum Olhar". Ganhou também um amigo que acompanhou até ao fim da vida

Neste momento, tenho ainda dificuldade de perceber o significado do desaparecimento de José Saramago. Creio que também Portugal não é ainda capaz de perceber o significado completo dessa perda. Esse entendimento chegará no momento em que eu e Portugal formos capazes de compreender completamente o que significou termos uma figura desta dimensão nas nossas vidas, misturada com as nossas histórias.

Recebi essa notícia em Londres. A chegar de um encontro literário e em direção a outro encontro literário. O segundo não chegou a acontecer. A notícia chegou-me de Portugal, em mensagem seca de telemóvel. Minutos depois, também por telemóvel, um amigo inglês contou-me que o Festival Literário de Edimburgo iria ser encerrado este ano por uma comunicação de José Saramago. Também esse momento não acontecerá. A morte deixa silêncio.

Se é preciso encontrar palavras, recordo o momento em que o conheci. Em 2001, quando recebi o prémio que leva o seu nome, esperava um homem sisudo, sério, a falar de assuntos sérios. Realmente, aquilo que José Saramago tinha para dizer era sério, mas a forma é muito importante e o homem que recordo sorria, gracejava.

Enquanto viver, não poderei esquecer a atenção que prestava às palavras de um rapaz que ainda não tinha chegado aos trinta anos. Hoje, acredito que esse carinho estava ligado à atenção que guardava para com a literatura, esta arte que lhe pertencia e para com esse país, feito de tantas matérias concretas e abstratas, esse país simples e contraditório, que nunca deixou de ser seu, que levou sempre consigo nas palavras, nas obras e no pensamento.

Agora, ficamos com Baltazar Sete-Sóis, Blimunda e toda uma galeria de personagens imortais, de momentos imortais, que permanecem naquilo que escreveu e naquilo que formos capazes de ler. Se não cedermos ao medo, ficamos também com o exemplo de um espírito crítico, atento à sociedade, voz daqueles a quem é negada voz ou cujo sentido é ocluso por vozes mais ruidosas, com megafones mais potentes.

Esse homem de óculos e de rosto sério construiu um mundo que, no futuro que hoje começa, continuará a estender o seu eco. José Saramago ousou enredar-se nos problemas do seu tempo, foi completamente contemporâneo de todos nós, mas criou uma obra que toca as questões essenciais da natureza humana e essas continuarão com a mesma atualidade de hoje: a cegueira e a lucidez, a morte e tudo o resto, a vida incandescente a cada página.
...

Tempo Quarto
Para se amar a escrita de Saramago não é preciso concordar com Saramago.
por Manuel Queiroz
19.06. 2010
O título, diga-se já, é tirado de uma afirmação do Padre Tolentino da Nóbrega, dita num encontro com José Saramago que o "Expresso" publicou. Há quem goste muito, há quem goste pouco e mesmo quem não goste nada da obra do escritor ribatejano. Eu gostei dos livros que li, sobretudo da fineza da ideia e da sua tradução em palavra. Bastante menos me identifiquei com as suas leituras políticas e religiosas.

O José Saramago escritor apareceu tarde e o seu tempo de braço armado do Partido Comunista - nomeadamente como director-adjunto do "Diário de Notícias" nos tempos do PREC - é daquelas coisas que todos preferíamos esquecer, mas não é pela morte que se faz um santo, nem ele o queria ser.

E para se amar a escrita de Saramago não é preciso concordar com Saramago, para pegar numa frase do cardeal patriarca a propósito do mundo e dita há bem poucos dias.
Essa zona de sombra da sua vida é aqui chamada para ilustrar o fato de que não é só de coerência que se faz a vida, a popularidade e o sentido da vida dos homens.

"A representação mais precisa da alma humana é um labirinto", escreve ele num dos seus livros, quiçá falando dele próprio.

Saramago é um homem "empapado" em cristianismo e muitos títulos dos seus livros nos remetem para isso. Mas reconta-nos uma Bíblia de violência e de sexo, de excessos maldosos e literais, de "disparates", como diz em "Caim". Pede contas a Deus e aos seus profetas de forma muito dura, coisa que não faz com os seus profetas ateus e políticos.

Mas o que o torna polêmico não é isso, é antes o talento com que o fez. Um talento que até se poderia definir como divino, para entrar nas provocações que usou em tantos dos seus textos e em tantas das suas declarações políticas, que, para muitos de nós, aliás, não tinham sentido nenhum. E renegavam até algumas das suas teorias e das ideias fundadoras da ideologia que professou até ao último dia da sua vida.

Pegar no "Memorial do Convento" é ficar contagiado por uma escrita despojada e certa, um trabalho artesanal e de filigrana, pelo desenvolvimento de uma ideia simples tratada com elegância, gosto e finura.

Como pegar em "As Pequenas Memórias" é voltar a um mundo em que percebemos que ele pode ter vivido e que nos conta com a alma de uma criança. Era um profissionalíssimo escritor, criativo, sempre a buscar novas fórmulas e novos caminhos, e um escritor de Português, coisa que nem todos são.

Ainda assim, o único Prêmio Nobel da literatura lusófona chegou a ver o "Evangelho" ser cortado por um infeliz secretário de Estado da Cultura do governo de Cavaco Silva, Sousa Lara, porque atacava "o património religioso dos portugueses". A vida de José Saramago não foi linear, não foi um caminho marcado para a glória. Foi desbravada a picareta e enxada com muito trabalho de cinzel. Também nisso muito português, aliás.

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Fuck Buttons - o nome menos educado da melhor música eletrônica



por Tiago Pereira
15.06. 2010


Em entrevista, falam de concertos que são experiências sonoras e danças sem coreografia

Fuck Buttons é um dos nomes mais entusiasmantes da música contemporânea nascida em ambientes eletrônicos.


Correção: Andrew Hung e Benjamin John Power (Ben, para amigos e jornalistas do lado de cá do telefone) são adultos mal resolvidos com as suas paixões de adolescência, que insistem em procurar os meios mais inesperados para desenvolver experiências sonoras.

E é isto que lhes dá o tal entusiasmo. Se não vejamos: Ben está à conversa com o i ao mesmo tempo que atravessa Londres para "levantar um novo brinquedo". Claro que lhe perguntamos de que se trata, para não termos qualquer resposta.

"Ainda não sei se vou usá-lo no concerto de Lisboa". Recordemos - os Fuck Buttons atuam ao vivo no Lux, amanhã, às 23 h. Se tudo o que têm feito em disco não for desculpa suficiente para os querermos ver, que nos baste esta curiosidade.

Ser um Fuck Button, além de representar uma afronta em qualquer país anglo-saxónico, é quase como ser DJ. Isto no que respeita aos hábitos de consumo.

Ambos são seres caçadores-recoletores, mas enquanto os primeiros vivem para descobrir o disco ideal para a derradeira remistura, os Fuck Buttons lutam pela melhor fórmula sonora. Uma demanda que procura "magnetismo e eletricidade estática, manipulação rítmica e colorido sintetizado".

Expressões que continuaríamos a repetir, não fosse a atitude de Ben: "Estes termos técnicos não significam que somos gente esquisita, que só vê circuitos e processadores de efeitos. O que fazemos é um pouco como a música folk, compomos para o povo. O resultado final, o delírio, é que se manifesta de forma distinta."

Em disco, os Fuck Buttons manipulam os ensinamentos de diferentes escolas. Ben Power fala-nos de Stockhausen, Can ou Kraftwerk enquanto recorda noites de "clubbing nervoso".

Ficamos na dúvida e esclarecemos as origens de tudo isto - "o objetivo é a diversão, a nossa claro". Não há aqui música para dançar, não existe previsibilidade no ritmo: "A finalidade é sermos abrasivos, fazer com que o som seja envolvente, quase opressivo."

Como se uma banda com o carimbo pós-rock, dos Mogwai aos Godspeed You Black Emperor - temas de duração generosa em que a lei é crescer instrumentalmente até mais não ser possível - tivessem descoberto o valor secreto do ruído sintetizado.

"Há quem diga que somos uma banda de eletrônica progressiva. Raios. Não concordo, mas não consigo dizer que a frase está errada", desabafa o músico. "Gostava de saber o que diriam os Pink Floyd ou os Genesis se me ouvissem agora."

Até à hora do concerto, é imaginar os Fuck Buttons em cima do palco, os tais que dizem que "o duo é a melhor formação da história da pop" - e a conversa a viajar entre os Carpenters e os White Stripes; que "o som pode ser tão agressivo que há quem fale em mosh pits no meio da assistência"; que o volume "é alto, tem de ser alto, que é tudo uma questão de vivência física do que se está a ouvir".

Ben Power é perito em descrever as atuações da sua própria banda. Vai falando como se o marketing fizesse parte das suas competências. E não recusa nenhuma das teorias conspirativas que os procura associar a uma qualquer prateleira de loja de discos.

Aos que tratam os Fuck Buttons como banda de noise - ruído -, Ben responde com elegância: "Ruído tem uma definição, de acordo com as escolas de música. Se faz parte deste glossário, é porque nós o podemos usar à nossa vontade. Claro que o segredo está na forma como se faz tal abordagem. Essa sim, não é para todos."

E para quem lhes dá pouco tempo de vida no mercado americano, uma pequena lição de geografia: "A América é difícil porque é muito grande, porque tem gostos muitos distintos e palcos atrás de palcos. Até os Beatles tiveram receio de não ter sucesso na América, ainda que por muito pouco tempo."

A conclusão: esperemos por uma jam session pouco habitual - "há quem diga que os nossos concertos têm algo de metafísico, parece-me exagerado mas aceito", diz Ben Power; por um Lux que não vai acolher danças mas sim contemplações; e por uma boa dose de curiosos que vai procurar estar atento a cada um dos recursos (leia-se brinquedos) que o duo apresentar em palco, a fazer listas no telemóvel para entupir os pedidos no eBay depois de uma noite reveladora.

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