Arqueologia divertida


Achado sapato de 5 500 anos

New York Times

Foi descoberto um sapato com 5500 anos de idade numa escavação na Armênia

por Pam Belluck


19.06.2010


Perfeitamente preservado sob camadas de estrume de ovelha (quem precisa de armários de cedro?), o sapato, feito de couro de vaca e envernizado com óleo de uma planta ou legume, tem cerca de 5500 anos de idade - mais antigo que Stonehenge e as pirâmides do Egito, dizem os cientistas. Os cordões de couro cruzam-se por vários ilhós também de couro, e foi usado no pé direito; não há sinal do sapato do pé esquerdo.

Embora se assemelhe mais a um sapato de sola suave da L. L. Bean que a qualquer coisa feita por Jimmy Choo, "estes sapatos eram, provavelmente, muito caros, feitos de couro de alta qualidade", diz Gregory Areshian, um dos principais responsáveis do Instituto Cotsen de Arqueologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Serviam a um homem pequeno ou a um adolescente, mas é mais provável que tivessem sido usados por uma mulher que calçasse 39. De acordo com o site www.celebrityshoesize.com, ficaria grande a Sarah Jessica Parker, cujos Manolo Blahnik são 38 e meio, e apertados a Sarah Palin, que, durante a campanha eleitoral de 2008, calçou sapatos vermelhos Double Dare da Naughty Monkey tamanho 40.

O sapato foi descoberto por cientistas que escavavam uma gruta enorme na Arménia e faz parte de um tesouro de artefatos que os especialistas dizem transmitir informações sem precedentes sobre uma era importante e pouco documentada: o calcolítico ou a Idade do Cobre, quando se pensa que os seres humanos inventaram a roda e domesticaram o cavalo, por exemplo.

Juntamente com o sapato, a gruta, designada Areni-1, oferece provas de uma operação antiga de fabrico de vinho e cachos do que poderão ser os mais antigos frutos secos de sempre: eram alperces, uvas e ameixas. Os cientistas, financiados pela National Geographic Society e outras instituições, encontraram também as caveiras de três adolescentes ("subadultos", em linguagem arqueológica) em vasos de cerâmica, o que sugere a existência de práticas rituais ou religiosas; uma caveira, afirma Areshian, continha até tecido cerebral ressequido bem mais antigo que o sapato, com cerca de 6 mil anos.

"É uma espécie de momento ao estilo de Pompeia, mas sem o fogo", diz Mitchell Rothman, antropólogo e especialista em calcolítico da Universidade de Widener, que não esteve envolvido na expedição. "O sapato é muito interessante, e é certamente algo que sublinha as descobertas inacreditáveis ali feitas. O mais importante é o significado do local. Temos a transição para o mundo moderno, precursora de reis, rainhas, burocratas, de tudo o que viria a acontecer."

Anteriormente, o sapato mais antigo pertencia a Oetzi, o Homem de Gelo, uma múmia descoberta há 19 anos nos Alpes, perto da fronteira da Áustria com a Itália. Os seus sapatos, cerca de 300 anos mais modernos que o sapato arménio, tinham sola de pele de urso, eram almofadados com pele de veado, rede de cortiça e tinham meias de relva. Há calçado ainda mais antigo que o sapato de couro, com exemplos encontrados no Missouri e no Oregon, mas feito principalmente de fibras de plantas.

A descoberta do sapato arménio, comunicada no PLoS One, um diário online, foi feita por baixo de uma das várias câmaras da gruta, quando uma estudante arménia de doutoramento, Diana Zardaryan, reparou num pequeno buraco com ervas. Quando enfiou a mão tocou em dois chifres de ovelha, depois numa tigela partida virada ao contrário. Debaixo de tudo isto estava o que parecia "uma orelha de vaca", recorda. "No entanto, quando puxei para fora pensei: 'Meu Deus, é um sapato!' Encontrar um sapato foi sempre o meu sonho."

Como a gruta foi utilizada por civilizações posteriores - a mais recente foi a dos mongóis do século xiv - "pensei que o sapato tivesse 600 ou 700 anos", afirma Areshian, que acrescentou: "Um sapato mongol teria sido excelente." Quando vários laboratórios distintos dataram o couro de 3653 a 3627 a. C., "não queríamos acreditar que um sapato pudesse ser tão antigo", diz.

O sapato não foi jogado fora mas, por razões pouco claras, acabou por ser deliberadamente posto no buraco, que por sua vez foi cuidadosamente forrado com barro amarelo. Embora os cientistas digam que o sapato foi enchido com relva, para manter a forma, foi claramente usado.

"Podemos ver as marcas no dedo grande", afirma outro líder da equipe, Ron Pinhasi, arqueólogo da Universidade de Cork, na Irlanda, para quem o sapato se assemelha aos velhos pampooties irlandeses, que eram chinelos de couro. "Enquanto foi usado, alguns dos ilhós foram rasgados e depois reparados."

Pinhasi diz que a gruta, descoberta em 97, parece ter sido utilizada principalmente por "pessoas de estatura elevada, pessoas que tinham poder", para armazenar a colheita e os objectos rituais daquela comunidade do calcolítico. Porém, também lá viviam pessoas comuns, possivelmente zeladores, o que providenciava, diz Areshian, o equivalente calcolítico do parqueamento personalizado.

Foram encontradas muitas ferramentas de vidro vulcânico, cuja fonte mais próxima se situa a quase 100 quilómetros (talvez fosse por isso que precisavam de sapatos, sugere Areshian).

"É um manancial de riqueza porque o estado de preservação é fantástico", afirma Adam T. Smith, um antropólogo da Universidade de Chicago que fazia uma investigação distinta na gruta. Distinguir os objetos do calcolítico dos artefactos de civilizações posteriores foi complicado. "Ainda não estamos inteiramente certos em relação à cronologia de todas as descobertas", diz. "O sapato é de certo modo a ponta do icebergue."