A escola que virou clube de strip


A desertificação de Illinois

18.06. 2010
Onde havia crianças e professores há agora

varões e dançarinas. Ficaram as tabuadas nas paredes

Nas paredes da velha Pioneer School, os símbolos não parecem ter mudado muito desde os anos 80: uma tabuada de multiplicação numa parede, um exemplar da Constituição noutra.

Mas à entrada do refeitório, onde várias gerações de alunos desta localidade rural do centro do Illinois almoçaram, um anúncio revela a escala da mudança sofrida pelo velho edifício de tijolo de barro amarelado: "As nossas bailarinas são animadoras e não prostitutas, por isso nem pergunte!"

O edifício, vendido pela direção escolar local em 2002, reabriu recentemente como clube de striptease, para choque dos residentes de Cumberland County - muitos dos quais cruzaram os corredores e salas quando crianças e só uma semana antes da reabertura descobriram qual seria a nova utilização do espaço.

Os que querem ver o clube de striptease encerrado protestam regularmente. Numa prece dirigida aos frequentadores para que tomem consciência dos caminhos ínvios que percorrem, afixaram uma pequena cruz iluminada e um cartaz onde se lê: "A sua família sabe por onde anda? Jesus sabe."

"Não queremos este tipo de porcaria no nosso município", diz Bill Moran, de 70 anos, que vive do outro lado da rua. "O resultado de um sítio destes são violações, doenças venéreas e muitos divórcios."

Outros, entre os quais os donos, dizem que se trata de um empreendimento legal que veio beneficiar a localidade com a criação de postos de trabalho.

"Não acho mesmo que seja mau, já que está a ajudar em termos financeiros", diz Danny Reed, de 25 anos, electricista, que diz nunca ter ido ao clube. "É uma terra pequena. Ou temos trabalho na bomba de gasolina ou estamos desempregados."

Situado a cerca de cinco quilómetros da localidade, o clube, de seu nome School House (Casa da Escola), tira muito partido do historial do edifício. Nas paredes estão pendurados retratos dos presidentes dos EUA a par de um exemplar do Pledge of Allegiance [juramento de lealdade à bandeira e ao país] e os proprietários converteram uma sala de professores num espaço para festas privadas. O antigo refeitório abriga agora um pequeno palco, com dois varões de latão.

Bob Kearney, de 40 anos, eletricista desempregado, é, com Travis Funneman, co-proprietário do negócio, que descreve como "acima de qualquer suspeita".

"Não havia impedimento urbanístico algum", diz Kearney, acrescentando que publicou os editais requeridos por lei no jornal local a anunciar a sua intenção de abrir um negócio, embora omitindo um importante aspecto. "Ninguém nos contatou. É verdade que não dissemos que íamos abrir um clube para cavalheiros."

O clube não tem licença para vender bebidas alcoólicas (embora os frequentadores possam levar caixas frigoríficas com cerveja em lata), o que explica por que razão não foi necessário passar por outros trâmites legais.

"É como se tivessem avançado de mansinho ao abrigo do nosso ângulo cego", diz Robert Swearingen, presidente da assembleia de Cumberland County.

Alguns vizinhos já se queixaram de ter encontrado frequentadores do local bêbados, no perímetro das suas propriedades. No entanto, a maioria dos residentes diz que o fato de eles frequentarem uma antiga escola primária é duplamente odioso.

"É uma corrupção das minhas recordações", diz Michelle Porter, de 33 anos, antiga aluna.

Kearney, que diz ter gasto milhares de dólares a remodelar o edifício, afirma: "Se essas pessoas têm memórias tão gratas do local, deviam ter vergonha, porque estava a ruir."

As vinte e tantas dançarinas têm idades entre 19 e 46. Numa noite normal, um par de strippers trepa e desliza no varão ao som de Van Halen, perante um grupo apático de uns dez homens.

Uma das mulheres, que trabalha para completar os seus estudos, diz que já chegou a ganhar cerca de 700 dólares numa noite no clube - o único num raio de 100 quilómetros -, mas está chocada com a recepção do município. "Chamam-nos pegas", diz a dançarina, cujo nome de guerra é Gigi. "Dizem que se deve odiar o pecado e amar o pecador, mas fica-se com a sensação de que nos querem mandar para o Inferno", conta.

Mafias, "patrimônio da humanidade"


Crime

Não se acredita nas mafias,
mas que as há, há
27.03. 2010



Portugal é uma das portas de entrada de droga na Europa.

Tem 640 instituições de crédito e sociedades financeiras.

É fazer as contas


Grande parte das inúmeras máfias e organizações criminosas estão direta ou indiretamente ligadas a Portugal.

Em relação direta estão as duas principais organizações mafiosas italianas, a 'Ndranghetta e a Camorra, intimamente envolvidas no tráfico de cocaína da América do Sul que passa por Portugal.

Ou mesmo outras máfias de leste como a Panterkata da Bulgária, a russa Irmandade Solntsevskaya ou a Arkan da Sérvia, que são algumas das centenas de organizações que passam pelo nosso país e pela Espanha.

Segundo as autoridades, os mafiosos italianos raramente abandonam os refúgios na Itália, enquanto alguns membros das organizações de Leste e de outros países europeus chegam a instalar-se na Península Ibérica.

Há, por exemplo, registro de criminosos ingleses que foram detidos nos seus retiros do Algarve. Mas, segundo os dados policiais, falar em instalação de bases não faz sentido, uma vez que a maioria das máfias opera nos meandros do tráfico de droga e, dada a constante alteração de rotas e modus operandi, não têm bases permanentes.

A Polícia Judiciária monitoriza os suspeitos de pertencerem a estas organizações criminosas, mas eles próprios sabem que as autoridades não conseguem reunir provas em tempo útil.

Antes disso, desaparecem e são substituídos por novos membros, alteram as localizações, diversificam as operações, mudam os números de telefone e contatos. Ou seja, a investigação volta à estaca zero.

O i apurou que a 'Ndranghetta, uma das organizações italianas com maior ascensão nos últimos anos, deve o seu sucesso ao tráfico de cocaína. Pensa-se que a 'Ndranghetta fica com 10% da produção.

Todavia, todas as organizações mafiosas e terroristas podem estar envolvidas separada ou conjuntamente em diferentes rotas de tráfico. Numa investigação no final de 2009, a DEA (Drug Enforcement Administration) americana, através de um seu agente infiltrado, que se apresentou como pertencendo às FARC, negociou com três simpatizantes da Al Qaeda.

A ideia era transportar centenas de toneladas de cocaína sul-americana do Oeste africano para o Norte, com destino a Espanha. Foram presos. Segundo os investigadores, no caso das máfias, sobretudo depois da abertura das fronteiras, a cooperação internacional tem sido essencial para referenciar os colaboradores.
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Arqueologia divertida


Achado sapato de 5 500 anos

New York Times

Foi descoberto um sapato com 5500 anos de idade numa escavação na Armênia

por Pam Belluck


19.06.2010


Perfeitamente preservado sob camadas de estrume de ovelha (quem precisa de armários de cedro?), o sapato, feito de couro de vaca e envernizado com óleo de uma planta ou legume, tem cerca de 5500 anos de idade - mais antigo que Stonehenge e as pirâmides do Egito, dizem os cientistas. Os cordões de couro cruzam-se por vários ilhós também de couro, e foi usado no pé direito; não há sinal do sapato do pé esquerdo.

Embora se assemelhe mais a um sapato de sola suave da L. L. Bean que a qualquer coisa feita por Jimmy Choo, "estes sapatos eram, provavelmente, muito caros, feitos de couro de alta qualidade", diz Gregory Areshian, um dos principais responsáveis do Instituto Cotsen de Arqueologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Serviam a um homem pequeno ou a um adolescente, mas é mais provável que tivessem sido usados por uma mulher que calçasse 39. De acordo com o site www.celebrityshoesize.com, ficaria grande a Sarah Jessica Parker, cujos Manolo Blahnik são 38 e meio, e apertados a Sarah Palin, que, durante a campanha eleitoral de 2008, calçou sapatos vermelhos Double Dare da Naughty Monkey tamanho 40.

O sapato foi descoberto por cientistas que escavavam uma gruta enorme na Arménia e faz parte de um tesouro de artefatos que os especialistas dizem transmitir informações sem precedentes sobre uma era importante e pouco documentada: o calcolítico ou a Idade do Cobre, quando se pensa que os seres humanos inventaram a roda e domesticaram o cavalo, por exemplo.

Juntamente com o sapato, a gruta, designada Areni-1, oferece provas de uma operação antiga de fabrico de vinho e cachos do que poderão ser os mais antigos frutos secos de sempre: eram alperces, uvas e ameixas. Os cientistas, financiados pela National Geographic Society e outras instituições, encontraram também as caveiras de três adolescentes ("subadultos", em linguagem arqueológica) em vasos de cerâmica, o que sugere a existência de práticas rituais ou religiosas; uma caveira, afirma Areshian, continha até tecido cerebral ressequido bem mais antigo que o sapato, com cerca de 6 mil anos.

"É uma espécie de momento ao estilo de Pompeia, mas sem o fogo", diz Mitchell Rothman, antropólogo e especialista em calcolítico da Universidade de Widener, que não esteve envolvido na expedição. "O sapato é muito interessante, e é certamente algo que sublinha as descobertas inacreditáveis ali feitas. O mais importante é o significado do local. Temos a transição para o mundo moderno, precursora de reis, rainhas, burocratas, de tudo o que viria a acontecer."

Anteriormente, o sapato mais antigo pertencia a Oetzi, o Homem de Gelo, uma múmia descoberta há 19 anos nos Alpes, perto da fronteira da Áustria com a Itália. Os seus sapatos, cerca de 300 anos mais modernos que o sapato arménio, tinham sola de pele de urso, eram almofadados com pele de veado, rede de cortiça e tinham meias de relva. Há calçado ainda mais antigo que o sapato de couro, com exemplos encontrados no Missouri e no Oregon, mas feito principalmente de fibras de plantas.

A descoberta do sapato arménio, comunicada no PLoS One, um diário online, foi feita por baixo de uma das várias câmaras da gruta, quando uma estudante arménia de doutoramento, Diana Zardaryan, reparou num pequeno buraco com ervas. Quando enfiou a mão tocou em dois chifres de ovelha, depois numa tigela partida virada ao contrário. Debaixo de tudo isto estava o que parecia "uma orelha de vaca", recorda. "No entanto, quando puxei para fora pensei: 'Meu Deus, é um sapato!' Encontrar um sapato foi sempre o meu sonho."

Como a gruta foi utilizada por civilizações posteriores - a mais recente foi a dos mongóis do século xiv - "pensei que o sapato tivesse 600 ou 700 anos", afirma Areshian, que acrescentou: "Um sapato mongol teria sido excelente." Quando vários laboratórios distintos dataram o couro de 3653 a 3627 a. C., "não queríamos acreditar que um sapato pudesse ser tão antigo", diz.

O sapato não foi jogado fora mas, por razões pouco claras, acabou por ser deliberadamente posto no buraco, que por sua vez foi cuidadosamente forrado com barro amarelo. Embora os cientistas digam que o sapato foi enchido com relva, para manter a forma, foi claramente usado.

"Podemos ver as marcas no dedo grande", afirma outro líder da equipe, Ron Pinhasi, arqueólogo da Universidade de Cork, na Irlanda, para quem o sapato se assemelha aos velhos pampooties irlandeses, que eram chinelos de couro. "Enquanto foi usado, alguns dos ilhós foram rasgados e depois reparados."

Pinhasi diz que a gruta, descoberta em 97, parece ter sido utilizada principalmente por "pessoas de estatura elevada, pessoas que tinham poder", para armazenar a colheita e os objectos rituais daquela comunidade do calcolítico. Porém, também lá viviam pessoas comuns, possivelmente zeladores, o que providenciava, diz Areshian, o equivalente calcolítico do parqueamento personalizado.

Foram encontradas muitas ferramentas de vidro vulcânico, cuja fonte mais próxima se situa a quase 100 quilómetros (talvez fosse por isso que precisavam de sapatos, sugere Areshian).

"É um manancial de riqueza porque o estado de preservação é fantástico", afirma Adam T. Smith, um antropólogo da Universidade de Chicago que fazia uma investigação distinta na gruta. Distinguir os objetos do calcolítico dos artefactos de civilizações posteriores foi complicado. "Ainda não estamos inteiramente certos em relação à cronologia de todas as descobertas", diz. "O sapato é de certo modo a ponta do icebergue."

Lembranças da infância na Sibéria


Livro


Nicolai Lilin. Um cartão de memória cheio de crimes


por Nuno Castro
19.06. 2010


"Educação Siberiana" expõe um submundo criminoso e atrocidades cometidas na União Soviética. O autor avisa: "Se me querem matar, venham"

Esta história podia ser de um homem que teve o azar de crescer numa comunidade onde matar era uma lição que se aprendia cedo: aos seis ou sete anos, a criança tinha a honra de tirar a vida a um animal, numa espécie de cerimónia de iniciação ao crime.

Os outros azares sucediam-se em cadeia: aos dez anos os miúdos entravam para o clã dos menores, estatuto que lhes permitia começar a ter um papel ativo nos crimes; aos 13 anos já tinham homicídios e prisões no currículo, já tinham sido presos, assistido a violações, torturas e assassinatos de familiares.

Tudo isto, recorda Nicolai Lilin no livro "Educação Siberiana", se passou em terra-de-ninguém: a Transnístria, um país do Leste Europeu que nem aparece nas enciclopédias e vive numa encruzilhada legal - já foi da União Soviética, declarou independência em 90, voltou a ser ocupado e depois a Moldávia reclamou o território, enquanto outros declararam a sua autonomia com o apoio da Rússia.

Mas não foi uma história de azar que Nicolai Lilin, 30 anos, quis contar:

"Não sou nenhuma vítima, não choro, não me arrependo. Às vezes até recordo esses tempos com nostalgia. É como recordar uma queda de bicicleta em que partimos o braço... Era uma situação normal para nós. E transmitiram-me bons valores. Nunca me droguei, nunca recorri a violência extrema, apenas seguia as regras da comunidade. Tive amigos que morreram de overdose, outros meteram-se no tráfico de armas... nunca cometi esses erros. Acho que tive sorte."

Talvez tenha razão, tendo em conta que é esse passado violento que lhe sustenta o presente.

"Educação Siberiana", um romance baseado nas suas experiências em Transnístria, já vendeu mais de 100 mil exemplares na Itália (onde Nicolai vive), valeu-lhe elogios rasgados de Roberto Saviano (autor do polémico "Gomorra"), foi publicado em 20 países e vai ser adaptado ao cinema por Gabriele Salvatores (realizador de "Mediterrâneo", que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 92).

A mensagem de Saramago
No entanto, o reverso da fama e das crítica que faz à Rússia, tanto no livro como nas entrevistas posteriores, são as ameaças: "Quando o livro saiu recebi emails a dizer: 'Vamos matar-te a ti e à tua filha, bla, bla, bla...'

Respondo: não tenho medo. Lutei pela Rússia na Chechénia, matei muita gente, muita gente quis matar-me, fui ferido duas vezes. Não tenho medo de morrer. Se querem matar-me, venham. Tenho armas e proteção policial na Itália e sei defender-me. Se acham que são melhores, venham", explica ao i num hotel em Lisboa, onde esteve a promover o livro.

Sem polícias, mas com cabelo rapado, braços cobertos de tatuagens e polo preto com a inscrição "Pro Patria Italia" que desencorajariam qualquer investida - qual Edward Norton na pele de um neonazi violento em "América Proibida". Lilin desfaz equívocos:

"Sou apolítico, não tenho grandes ideais. Só não gosto de ditaduras." O polo? "É da academia de artes marciais onde sou instrutor na Itália. Ensinamos defesa pessoal a polícias, militares e profissionais."

Mais à frente vai eliminar qualquer traço da personagem de Edward Norton que pudesse restar: "Gosto muito de Saramago. Não pelos livros - tentei ler, mas não consegui -, mas pelos ideais e pelas mensagens."

O elogio do erro
Se Nicolai Lilin e a comunidade dos Urcas da Transnístria se opunham ao comunismo na União Soviética, não era pela ideologia, mas pelas vítimas que iam ficando pelo caminho:

"Desaparecia muita gente na cadeia e se isso acontecia a alguém próximo de mim, a reação era: 'I will fucking finish them!'" .

Mas aconteceu? "Sim, o meu tio foi espancado até à morte por agentes do KGB. Disseram-nos que fôssemos buscar o corpo porque ele tinha morrido de asma. Tinha sete anos, fui à cadeia com o meu avô e o cadáver estava cheio de feridas. Há muitas histórias assim na Sibéria."

Nicolai juntou-se à resistência. Participou em sabotagens e explosões de instituições do regime, enfrentou polícias. Até se fartar. A partir de certa altura quis deixar a União Soviética, mas o serviço militar apanhou-o a meio caminho. Aos 18 anos foi mobilizado para a guerra na Chechénia.

"Estive lá dois anos e três meses. Fiz o que tinha a fazer. Foi duro, mas sobrevivi." Depois da guerra passou por São Petersburgo, onde trabalhou como segurança privado. Em 2003 fixou-se definitivamente em Turim.

"Educação Siberiana" foi publicado seis anos depois. Hoje escreve em italiano e considera-se cidadão de Itália. Já publicou outro livro, "Caduta libera" (sobre a experiência na Chechénia, não editado emportuguês) e está a escrever o terceiro.

Em relação às dúvidas sobre a veracidade das informações históricas apresentadas em "Educação Siberiana" - levantadas pelo jornal italiano "La Stampa" -, o autor esclarece: "Não sou historiador nem fiz pesquisa. Até a minha mãe disse que havia muitos erros factuais no livro. Claro que há: é um romance baseado nas memórias de uma criança."
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Professores também apanham na Europa


Quase 300 professores agredidos num ano

letivo em escolas de Portugal


por Rosa Ramos
19.06. 2010



Balanço do programa Escola Segura revela aumento de 40% nas agressões em 2008/2009

Quase 300 professores foram agredidos só no ano letivo de 2008/2009, revela o relatório do programa Escola Segura ontem divulgado.


O número divulgado pelo Ministério da Educação representa um aumento de 40% em relação ao ano lectivo anterior. O documento mostra também que houve mais agressões ao pessoal não docente, tendo sido contabilizados 184 casos.

Mesmo assim, o número total de ocorrências registradas nas escolas portuguesas diminuiu 15%.

No ano letivo de 2008/2009 foram identificados 5134 casos - menos 905 que em 2007/2008.

Os números preocupam os sindicatos. Mário Nogueira espera que sirvam para levar o Ministério da Educação "a tomar finalmente uma medida que proteja os professores", apesar de reconhecer que o aumento de queixas possa ter a ver "com uma maior mediatização do assunto, que tem levado os docentes a denunciar mais".

Já Albino Almeida, presidente da Confederação das Associações de Pais, lamenta que o documento do ministério "não faça qualquer referência à situação dos processos em tribunal", o que "deixa a impressão de que as agressões não têm qualquer tipo de consequências".

"Como pai, dirigente sindical e cidadão sinto-me indignado, especialmente tendo em conta o esforço que tem sido empreendido no sentido de denunciar este tipo de situações", acrescenta.

Os números do programa Escola Segura revelam uma diminuição de 21,8% do número de agressões a alunos (1317 para 1029). Já as ocorrências no exterior das escolas aumentaram para 1609 casos. Os atos contra a liberdade e a integridade físicas ocupam o topo da tabela das ocorrências, seguidos pelos atos contra os bens e equipamento escolar. No capítulo das ações contra bens pessoais, o roubo de celulares lidera, abarcando 31,6% das ocorrências registradas.

As escolas com mais problemas continuam a ser as do distrito de Lisboa, apesar de ter aumentado o número de estabelecimentos sem ocorrências registradas.


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José Saramago Imortal



Saramago em 4 tempos

Tempo Primeiro
"Era um comunista agnóstico.
Era o seu próprio partido"

por Baptista-Bastos
19.o6. 2010

[Baptista-Bastos acompanhou-o nos desacordos com o PCP, na atenção minuciosa às coisas da vida, nas conversas sobre o marxismo e o partido. De Saramago ficou a memória de um "desobediente" que nunca foi "dissidente". ]

Havia, nele, uma atenção minuciosa às coisas da vida, fossem elas de natureza material ou transcendental. E sabia mais, muito mais de religião e de textos sagrados do que muitos dos que o criticavam. José Saramago aprendera, muito cedo, que uma ideia apela sempre para outra ideia, e que as sínteses parciais produzem o imobilismo.

Conversamos, muitas vezes, sobre a natureza do marxismo, a noção de partido, os ritos da obediência, os imperativos da consciência e os paradoxos da História que, como se sabe, é uma deusa cega.

O Saramago era um desobediente; não um «dissidente»: um desobediente porque refratário ao dogma de que «o partido tem sempre razão», mesmo quando a não tinha.

O fulgor da contradição era o ânimo do seu espírito. Não estava, permanentemente, a favor do contra; mas estar no contra, ser do contra fazia parte dessa dialética da totalidade que, afinal, é a substância que produz os homens livres.

Esteve, inúmeras vezes, em total e absoluto desacordo com a direção do PCP, e disse-o, alto e bom som, quando muitos outros utilizavam a surdina. Esteve para sair; não saiu. Sei do que falo porque encontrei-me envolvido no assunto. E não saiu porque não admitiu que as circunstâncias do acaso se transformassem numa espécie de ordem mecânica.

O PCP ignorara-o, na fundação de «o diário», ele estava desempregado e marcado pelos acontecimentos do 25 de Novembro, conducentes à substituição da direção do «Diário de Notícias», de que fazia parte. Deveremos entender como má-fé este episódio pouco claro?

Nem mesmo aí José Saramago se queixou, protestou ou saiu. Não deixou, porém de tomar posição, anos depois, quando um grupo de militantes condenou as indecisões dos dirigentes do PCP, acerca do «golpe» de Moscou. Nada impedia este homem de expor a força das suas causas e o poder das suas convicções. Porque de convicções se tratava e sempre se tratou.

Um comunista agnóstico, que acreditava na dialética como ciência e na sua incompatibilidade ocasional com as estratégias partidárias. Sopesadas bem as palavras, penso que Saramago era o seu próprio partido, e que o PCP a sua solidariedade institucional.

A tristeza essencial que deixava transparecer acentuou-se na proporção em que o mundo regredia nas opções sociais, e que Portugal acelerava uma decadência degenerescente, refletida em todos os setores da sociedade. Não parava, porém; mesmo quando a doença o atingiu rudemente. E não parava porque continuava a acreditar no poder da palavra, no império das ideias e na grandeza da dignidade humana.

...

Tempo Segundo
"O que passa à eternidade é o talento, o trabalho e dedicação"
por Francisco José Viegas
19.06.2010

[Em 91, Saramago mostrou a Francisco José Viegas as 444 páginas da primeira impressão de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". O escritor e jornalista tornar-se-ia um dos maiores especialistas na obra do Nobel]


Lembro o cenário: uma casa tranquila onde os objetos essenciais eram a mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar.

Estávamos na Ericeira e eu tinha combinado entrevistá-lo antes da edição de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", em 91. José Saramago escrevera e reescrevera o livro num 'videowriter', moderno na época; nessa tarde fez a primeira impressão do texto em papel.

Tinha exatamente 444 páginas. Saramago era cuidadoso com os seus livros - entregava os originais quase irrepreensíveis, sem rasuras. E falava sobre eles com uma notável clareza, muito rara. Recordo por isso quando me convidou para fazer a apresentação de "Ensaio sobre a Cegueira", de 95 - e como falava sobre o livro como se o tivesse escrito há muito tempo.

Esta aparente "facilidade" contrastava, no entanto, com a forma disciplinada - e até austera - que rodeava o seu processo de escrita.

Foi já depois da atribuição do Nobel, em Lanzarote (repetia-se o mesmo cenário: mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar) que pude perceber o trabalho que acompanhou a escrita de "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (que, juntamente com "Memorial do Convento" e "Ensaio sobre a Cegueira" constitui uma espécie de "trilogia do cânone"): uma agenda, dessas, antigas, domésticas, que Saramago tinha transformado num diário de Ricardo Reis escrito em Lisboa depois de regressar do Brasil, e que funcionaria como uma espécie de "segundo livro" que reuniria a parte estritamente documental do romance. Tudo tinha sido ali anotado, desde o preço do tabaco no Alentejo naquele ano, até à menção das crises diplomáticas que varriam a Europa e anunciavam o fascismo.

Esse trabalho oficinal sempre me apaixonou em José Saramago - e era justamente esse trabalho disciplinado que tornou possível uma obra monumental, escrita do ponto de vista da eternidade. Só um monumento pode fazê-lo.

A consagração de Saramago deve-se à literatura e à sua "intervenção cívica" mas só a literatura, que está ligada à eternidade, o irá transcrever mais tarde nas palavras da terra, no gigantesco poema do mundo, onde entrará "Manual de Pintura e Caligrafia", por exemplo, um livro injustamente esquecido, e essa "trilogia do cânone" onde estão inscritas as linhas de quase toda a sua obra: a atenção aos pequenos personagens (quase anónimos, quase insignificantes), o absurdo da História, a ideia de epopeia, a fragilidade do humano e do humanismo.

Tanto em "Levantado do Chão" como em "Memorial do Convento" ou em "Todos os Nomes", os seus grandes personagens são essencialmente humildes, anônimos e colhidos (e escondidos) da massa da multidão. Baltazar e Blimunda em vez do rei que manda construir o convento de Mafra; os camponeses e o cão atravessando os campos do Alentejo e ressuscitando no final, em vez dos "exemplos de classe"; uma mulher anónima e discreta que enfrenta a cegueira do mundo e interpreta as suas metáforas.

Mesmo o amor, mesmo o amor: é uma das suas mais belas histórias de amor, a de "História do Cerco de Lisboa", a que é vivida pela editora e pelo revisor - ele, mais uma vez, o homem anônimo, humilde, modesto, que representa toda a modéstia e toda a humildade dos homens e mulheres sem história (à maneira de Gogol; ou encarando o absurdo, como Kafka).

Creio, acreditei sempre - e escrevi-o - que Saramago era um homem extremamente religioso. Só um homem religioso pode rondar a blasfêmia e interrogar diretamente a figura de um Deus "humanamente injusto". O resto é polêmica, passagem, indignações. O que passará à eternidade é isso: talento, trabalho, dedicação.

...

Tempo Terceiro
"Ele construiu um mundo que no futuro vai extender o seu eco"
por José Luís Peixoto

19.06. 2010

Em 2001 o escritor José Luís Peixoto recebeu o Prêmio Literário José Saramago pelo livro "Nenhum Olhar". Ganhou também um amigo que acompanhou até ao fim da vida

Neste momento, tenho ainda dificuldade de perceber o significado do desaparecimento de José Saramago. Creio que também Portugal não é ainda capaz de perceber o significado completo dessa perda. Esse entendimento chegará no momento em que eu e Portugal formos capazes de compreender completamente o que significou termos uma figura desta dimensão nas nossas vidas, misturada com as nossas histórias.

Recebi essa notícia em Londres. A chegar de um encontro literário e em direção a outro encontro literário. O segundo não chegou a acontecer. A notícia chegou-me de Portugal, em mensagem seca de telemóvel. Minutos depois, também por telemóvel, um amigo inglês contou-me que o Festival Literário de Edimburgo iria ser encerrado este ano por uma comunicação de José Saramago. Também esse momento não acontecerá. A morte deixa silêncio.

Se é preciso encontrar palavras, recordo o momento em que o conheci. Em 2001, quando recebi o prémio que leva o seu nome, esperava um homem sisudo, sério, a falar de assuntos sérios. Realmente, aquilo que José Saramago tinha para dizer era sério, mas a forma é muito importante e o homem que recordo sorria, gracejava.

Enquanto viver, não poderei esquecer a atenção que prestava às palavras de um rapaz que ainda não tinha chegado aos trinta anos. Hoje, acredito que esse carinho estava ligado à atenção que guardava para com a literatura, esta arte que lhe pertencia e para com esse país, feito de tantas matérias concretas e abstratas, esse país simples e contraditório, que nunca deixou de ser seu, que levou sempre consigo nas palavras, nas obras e no pensamento.

Agora, ficamos com Baltazar Sete-Sóis, Blimunda e toda uma galeria de personagens imortais, de momentos imortais, que permanecem naquilo que escreveu e naquilo que formos capazes de ler. Se não cedermos ao medo, ficamos também com o exemplo de um espírito crítico, atento à sociedade, voz daqueles a quem é negada voz ou cujo sentido é ocluso por vozes mais ruidosas, com megafones mais potentes.

Esse homem de óculos e de rosto sério construiu um mundo que, no futuro que hoje começa, continuará a estender o seu eco. José Saramago ousou enredar-se nos problemas do seu tempo, foi completamente contemporâneo de todos nós, mas criou uma obra que toca as questões essenciais da natureza humana e essas continuarão com a mesma atualidade de hoje: a cegueira e a lucidez, a morte e tudo o resto, a vida incandescente a cada página.
...

Tempo Quarto
Para se amar a escrita de Saramago não é preciso concordar com Saramago.
por Manuel Queiroz
19.06. 2010
O título, diga-se já, é tirado de uma afirmação do Padre Tolentino da Nóbrega, dita num encontro com José Saramago que o "Expresso" publicou. Há quem goste muito, há quem goste pouco e mesmo quem não goste nada da obra do escritor ribatejano. Eu gostei dos livros que li, sobretudo da fineza da ideia e da sua tradução em palavra. Bastante menos me identifiquei com as suas leituras políticas e religiosas.

O José Saramago escritor apareceu tarde e o seu tempo de braço armado do Partido Comunista - nomeadamente como director-adjunto do "Diário de Notícias" nos tempos do PREC - é daquelas coisas que todos preferíamos esquecer, mas não é pela morte que se faz um santo, nem ele o queria ser.

E para se amar a escrita de Saramago não é preciso concordar com Saramago, para pegar numa frase do cardeal patriarca a propósito do mundo e dita há bem poucos dias.
Essa zona de sombra da sua vida é aqui chamada para ilustrar o fato de que não é só de coerência que se faz a vida, a popularidade e o sentido da vida dos homens.

"A representação mais precisa da alma humana é um labirinto", escreve ele num dos seus livros, quiçá falando dele próprio.

Saramago é um homem "empapado" em cristianismo e muitos títulos dos seus livros nos remetem para isso. Mas reconta-nos uma Bíblia de violência e de sexo, de excessos maldosos e literais, de "disparates", como diz em "Caim". Pede contas a Deus e aos seus profetas de forma muito dura, coisa que não faz com os seus profetas ateus e políticos.

Mas o que o torna polêmico não é isso, é antes o talento com que o fez. Um talento que até se poderia definir como divino, para entrar nas provocações que usou em tantos dos seus textos e em tantas das suas declarações políticas, que, para muitos de nós, aliás, não tinham sentido nenhum. E renegavam até algumas das suas teorias e das ideias fundadoras da ideologia que professou até ao último dia da sua vida.

Pegar no "Memorial do Convento" é ficar contagiado por uma escrita despojada e certa, um trabalho artesanal e de filigrana, pelo desenvolvimento de uma ideia simples tratada com elegância, gosto e finura.

Como pegar em "As Pequenas Memórias" é voltar a um mundo em que percebemos que ele pode ter vivido e que nos conta com a alma de uma criança. Era um profissionalíssimo escritor, criativo, sempre a buscar novas fórmulas e novos caminhos, e um escritor de Português, coisa que nem todos são.

Ainda assim, o único Prêmio Nobel da literatura lusófona chegou a ver o "Evangelho" ser cortado por um infeliz secretário de Estado da Cultura do governo de Cavaco Silva, Sousa Lara, porque atacava "o património religioso dos portugueses". A vida de José Saramago não foi linear, não foi um caminho marcado para a glória. Foi desbravada a picareta e enxada com muito trabalho de cinzel. Também nisso muito português, aliás.

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Fuck Buttons - o nome menos educado da melhor música eletrônica



por Tiago Pereira
15.06. 2010


Em entrevista, falam de concertos que são experiências sonoras e danças sem coreografia

Fuck Buttons é um dos nomes mais entusiasmantes da música contemporânea nascida em ambientes eletrônicos.


Correção: Andrew Hung e Benjamin John Power (Ben, para amigos e jornalistas do lado de cá do telefone) são adultos mal resolvidos com as suas paixões de adolescência, que insistem em procurar os meios mais inesperados para desenvolver experiências sonoras.

E é isto que lhes dá o tal entusiasmo. Se não vejamos: Ben está à conversa com o i ao mesmo tempo que atravessa Londres para "levantar um novo brinquedo". Claro que lhe perguntamos de que se trata, para não termos qualquer resposta.

"Ainda não sei se vou usá-lo no concerto de Lisboa". Recordemos - os Fuck Buttons atuam ao vivo no Lux, amanhã, às 23 h. Se tudo o que têm feito em disco não for desculpa suficiente para os querermos ver, que nos baste esta curiosidade.

Ser um Fuck Button, além de representar uma afronta em qualquer país anglo-saxónico, é quase como ser DJ. Isto no que respeita aos hábitos de consumo.

Ambos são seres caçadores-recoletores, mas enquanto os primeiros vivem para descobrir o disco ideal para a derradeira remistura, os Fuck Buttons lutam pela melhor fórmula sonora. Uma demanda que procura "magnetismo e eletricidade estática, manipulação rítmica e colorido sintetizado".

Expressões que continuaríamos a repetir, não fosse a atitude de Ben: "Estes termos técnicos não significam que somos gente esquisita, que só vê circuitos e processadores de efeitos. O que fazemos é um pouco como a música folk, compomos para o povo. O resultado final, o delírio, é que se manifesta de forma distinta."

Em disco, os Fuck Buttons manipulam os ensinamentos de diferentes escolas. Ben Power fala-nos de Stockhausen, Can ou Kraftwerk enquanto recorda noites de "clubbing nervoso".

Ficamos na dúvida e esclarecemos as origens de tudo isto - "o objetivo é a diversão, a nossa claro". Não há aqui música para dançar, não existe previsibilidade no ritmo: "A finalidade é sermos abrasivos, fazer com que o som seja envolvente, quase opressivo."

Como se uma banda com o carimbo pós-rock, dos Mogwai aos Godspeed You Black Emperor - temas de duração generosa em que a lei é crescer instrumentalmente até mais não ser possível - tivessem descoberto o valor secreto do ruído sintetizado.

"Há quem diga que somos uma banda de eletrônica progressiva. Raios. Não concordo, mas não consigo dizer que a frase está errada", desabafa o músico. "Gostava de saber o que diriam os Pink Floyd ou os Genesis se me ouvissem agora."

Até à hora do concerto, é imaginar os Fuck Buttons em cima do palco, os tais que dizem que "o duo é a melhor formação da história da pop" - e a conversa a viajar entre os Carpenters e os White Stripes; que "o som pode ser tão agressivo que há quem fale em mosh pits no meio da assistência"; que o volume "é alto, tem de ser alto, que é tudo uma questão de vivência física do que se está a ouvir".

Ben Power é perito em descrever as atuações da sua própria banda. Vai falando como se o marketing fizesse parte das suas competências. E não recusa nenhuma das teorias conspirativas que os procura associar a uma qualquer prateleira de loja de discos.

Aos que tratam os Fuck Buttons como banda de noise - ruído -, Ben responde com elegância: "Ruído tem uma definição, de acordo com as escolas de música. Se faz parte deste glossário, é porque nós o podemos usar à nossa vontade. Claro que o segredo está na forma como se faz tal abordagem. Essa sim, não é para todos."

E para quem lhes dá pouco tempo de vida no mercado americano, uma pequena lição de geografia: "A América é difícil porque é muito grande, porque tem gostos muitos distintos e palcos atrás de palcos. Até os Beatles tiveram receio de não ter sucesso na América, ainda que por muito pouco tempo."

A conclusão: esperemos por uma jam session pouco habitual - "há quem diga que os nossos concertos têm algo de metafísico, parece-me exagerado mas aceito", diz Ben Power; por um Lux que não vai acolher danças mas sim contemplações; e por uma boa dose de curiosos que vai procurar estar atento a cada um dos recursos (leia-se brinquedos) que o duo apresentar em palco, a fazer listas no telemóvel para entupir os pedidos no eBay depois de uma noite reveladora.

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Slash está de volta e com a guitarra nas mãos


Entrevista

por Diana Garrido
17.06.2010


"Olá, como estás?" O cumprimento de Slash chega numa voz surpreendentemente fresca e clara, sem vestígios de tabaco, nada rock'n'roll.



Do outro lado da linha, o eterno ex-guitarrista dos Guns'n'Roses (que atuam na Europa com a formação atual, liderada por Axl Rose) espera uma reação que sai de repente, num estilo adolescente: "Bem, e tu? Antes de começarmos queria só dizer-te que sou uma grande, grande fã." Assunto arrumado e nervoso miudinho para trás das costas. Slash agradece e aguarda as perguntas do costume.

Aos 44 anos, Saul "Slash" Hudson lança o primeiro álbum em nome próprio. É um projeto a solo com colaborações de músicos como Iggy Pop, Ozzy Osbourne, Fergie, Chris Cornell, entre muitos outros. "Durante anos tive participações especiais em álbuns de outras pessoas e pensei que seria bom, para variar, ter pessoas a tocarem no meu álbum."

Slash entrou no projeto sem editora nem distribuidora, numa espécie de grito do Ipiranga: "É fixe poder fazer e dirigir as coisas como eu acho que devem ser feitas, sem ter de as discutir com ninguém, sabes?"

As músicas foram compostas pelo guitarrista e depois distribuídas pelos intérpretes: "Quando escrevia uma música pensava que estilo vocal se adaptaria a ela e quem a deveria interpretar. Depois mostrava a demo ao cantor, que escreveria a letra que quisesse."

Por muito interessante e atual que seja o lançamento do álbum solo de Slash, é impossível não levantar questões sobre os Guns'n'Roses, banda da qual o guitarrista garante não sentir falta: "Não tenho saudades, foi há muito tempo e não penso nas coisas dessa forma. Tenho boas recordações desses tempos, ou melhor, penso nas coisas boas. Obviamente que também há más memórias, mas não vejo interesse em pensar nisso."

E voltou a falar com Axl depois da separação da banda?

"Não. E não queria que esta entrevista fosse sobre os Guns'n' Roses."

Antes que Slash decidisse acabar a conversa, atiramos com a pergunta amiga do ego:
Segundo a revista "Time", é o segundo melhor guitarrista do mundo, com Jimi Hendrix em primeiro lugar. Como se sentiu quando soube?

"Foi muito lisonjeiro, mas ao mesmo tempo fiquei assustado, porque havia muitos guitarristas fabulosos a seguir a mim e eu não me tenho em tão grande consideração, comparado com eles. Para mim é difícil acreditar nisso."

Slash começou a tocar guitarra aos 14 anos, graças à avó: "Tínhamos uma guitarra lá em casa, fechada num armário, à qual eu nunca tinha prestado atenção, até que um dia a minha avó decidiu oferecer-me e aí comecei a aprender."

O guitarrista é, literalmente, um Guitar Hero, do jogo de vídeo. Mas pegar na guitarra de plástico e entrar na competição é outra conversa: "Eu costumava jogar e era bom, mas confesso que nunca experimentei o meu próprio jogo. É esquisito tocar e ver-me ao mesmo tempo."
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Reality show de desocupados




Na Espanha, cerca de 15% dos jovens entre os 16 e os 24 anos não estuda nem tem trabalho.





Para retratar esta realidade, o canal espanhol La Sexta estreou um reality show com um grupo de jovens que não estuda nem trabalha.

Durante três meses os oito jovens concorrentes irão conviver com dois psicólogos “para recuperar valores e princípios” que lhes farão tomar as rédeas da sua vida.

Instalados numa casa de 600 m e vigiados por 30 câmaras, todos terão de trabalhar e valorizar o esforço porque o seu sustento dependerá da remuneração que obtiverem com o trabalho.

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Música - Rita Redshoes


por Vanda Marques
14.06. 2010

Queria ser bailarina clássica, foi baterista amadora, até que em 2008 lançou "Golden Era". Rita Redshoes tem novo CD - "Lights&Darks"


Num pequeno gravador daqueles que ainda usam cassetes, Rita Pereira, perdão, Rita Redshoes grava os primeiros esboços de canções. Melodias trauteadas, letras, encontra-se lá de tudo.

Caso não haja gravador por perto, a cantora de 28 anos, recorre ao telemóvel. Mas a inspiração pode surgir nos locais mais inesperados, sem gravador por perto.

"Captain of My Soul", o single de apresentação de "Lights&Darks", segundo álbum depois de "Golden Era", nasceu quando estava dentro de água. "A música apareceu-me estava eu a tomar um banho de mar sozinha", explica ao i a artista.

Apesar de ter vários convidados no seu novo álbum, entre eles Paulo Furtado (Wraygunn, Legendary Tigerman), o saxofonista Danna Colley (ex-Morphine), o guitarrista José Pino (antigo membro do Conjunto Mistério) ou Ricardo Fiel (ex-Phase, David Fonseca), a cantora diz que foi um trabalho de isolamento. "Há um fechamento inicial que se prolonga nos primeiros meses. É um processo solitário, mas depois tenho necessidade de partilhar", explica.

As primeiras duas semanas de composição foram complicadas. Rita Redshoes rabiscava folhas para, pouco depois, as rasgar. "Há o mito entre os músicos de que o segundo disco é muito complicado. Acho que é mais o fantasma do álbum anterior. Tive de ser pragmática. Quero fazer muitos discos, não posso sofrer, se não isto vai ser um martírio", diz a rir.

Depois de viajar, Rita Redshoes encontrou o caminho para o herdeiro de "Golden Era". "Três viagens marcaram o estado de espírito do disco", conta. A ida ao Festival South by Southwest, no Texas, EUA foi uma delas.

"Gosto muito de folk e música country. Apesar de não estarem assim tão presentes no festival, esse espírito vem da América e vê-se nas lojas de música à beira da estrada”.

Um passeio por Florença, onde a cantora visitou museus e descobriu a pintura religiosa do Renascimento e por último as Maldivas completam o ramalhete. "A ida às Maldivas acabou por ser uma viagem ao passado e à minha infância. A única coisa que fazia era andar de bicicleta e ter os pés na água."

Então o que nos traz este "Lights&Darks"? O título é retirado de uma fala do filme de Wim Wenders, "O Estado das Coisas" e a artista quis seguir um novo rumo. "Este é um disco mais direto. As músicas são mais orgânicas e vivas, não estão tão orquestradas. O disco tem muitas emoções, passa do humor e do sarcasmo, para um lado mais introspectivo e solitário."

Rita, a baterista era uma enciclopédia de letras de músicas, decorava tudo, mas o seu sonho era ser bailarina clássica, de tutu e a dominar o plié. Cantava para os pais até que o irmão comprou uma bateria. "Comecei como baterista num grupo de teatro", recorda.


Pelo caminho ficou a dança. "Na adolescência desisti porque era tudo muito rígido. Não podia comer doces... Não estava para isso. Fiquei durante uns anos sem saber o que fazer até descobrir a bateria."

Quando o irmão, Bruno Pereira, formou os Atomic Bees, Rita começou a levar a música mais a sério. "Subi a um palco pela primeira vez e percebi que era aquilo que queria fazer. Pensei: 'Isto é muito divertido e faz muito mais sentido preencher os meus dias assim."

A epifania deu--se aos 14 anos e desde então Rita Pereira aplicou-se. Se aprendeu bateria por tentativa e erro, sozinha quando o irmão não estava em casa, o piano tornou-se disciplina de estudo.


Teve aulas de canto e há cinco anos encontrou o alter ego Rita Redshoes. "Quando comecei os Atomic Bees eram o meu mundo, mas queria fazer outras músicas que não se enquadravam." E assim nasceu a Rita dos sapatos vermelhos - um mix de "O Feiticeiro de Oz" com "Let's Dance", de David Bowie.


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Bertold Brecht - Poesia


Po
e
si
as

Louvação da Desmemória
Boa é a desmemória! Sem ela, como iria deixar o filho a mãe que lhe deu de mamar, que lhe emprestou força aos membros e que o retinha para o experimentar.
Ou como iria o aluno deixar o mestre que lhe emprestou o saber? Com o saber emprestado, cumpre ao discípulo pôr-se a caminho.
Na casa velha os novos moradores entram; se lá estivessem ainda os que a construíram, seria a casa pequena demais.
O forno esquenta, e do oleiro ninguém se lembra mais. O lavrador não reconhece o pão depois de pronto.
Como levantar-se de novo o homem de manhã, sem o esquecimento que apaga os rastros da noite? Como iria, quem foi ao chão seis vezes, levantar-se pela sétima vez para amanhar o pedregoso chão, para subir ao perigoso céu?
É a fraqueza da memória que dá força à criatura humana. (Poemas e Canções.Trad. Geir Campos. Civilização Brasileira, 1996)

Fala ao amado que vai a guerra
Meu querido, meu querido, se agora vais para a guerra,
vais combater o inimigo, não vás na frente da guerra nem fiques atrás da guerra: o fogo é rubro na frente, atrás é rubra a fumaça. Fica no meio da guerra, perto do porta-estandarte. São mortos sempre os primeiros, os últimos são também; os do meio é que para casa vêm.
(Poemas e Canções. Trad. Geir Campos, Civilização Brasileira, 1996)
...
Soube que vocês nada querem aprender
Então devo concluir que são milionários.
Seu futuro está garantido — à sua frente
Iluminado.
Seus pais
Cuidaram para que seus pés
Não topassem com nenhuma pedra.
Neste caso
Você nada precisa aprender.
Assim como é
Pode ficar.
Havendo ainda dificuldades, pois os tempos
Como ouvi dizer, são incertos
Vocês tem seus líderes, que lhe dizem exatamente
O que tem a fazer, para que vocês estejam bem.
Eles leram aqueles que sabem
As verdades válidas para todos os tempos
E as receitas que sempre funcionam.
Onde há tantos a seu favor
Você não precisa levantar um dedo.
Sem dúvida, se fosse diferente
Você teria que aprender.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Professor, aprende!
Não digas tantas vezes que estás com a razão!
Deixa que o reconheçam os alunos!
Não forces com demasia a verdade: é que ela não resiste…
Escuta, quando falas!
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Pergunta
Como há de ser instituída a verdadeira ordem sem o saber das massas?
Sem aviso, não se pode o caminho para tantos descobrir.
Vós, grandes mestres, deveis escutar bem o que os pequenos dizem!
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Realizar algo de útil
Quando li que queimavam as obras dos que procuravam escrever a verdade
Mas ao tagarela George, o de fala bonita, convidaram
Para abrir sua Academia, desejei mais vivamente
Que chegue enfim o tempo em que o povo solicite a um homem desses
Que num dos locais de construção dos subúrbios
Empurre publicamente um carrinho de mão com cimento, para que Ao menos uma vez um deles realize algo de útil, com o que Poderia então retirar-se para sempre
Para cobrir o papel de letras
Às custas do
Rico povo trabalhador.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Quando me fizeram deixar o país
Lia-se nos jornais do pintor
Que isto acontecia porque num poema
Eu havia zombado dos soldados da Primeira Guerra. Realmente, no penúltimo ano da guerra
Quando aquele regime, para adiar sua derrota
Já enviava os mutilados novamente para o fogo
Ao lado dos velhos e meninos de dezessete anos
Descrevi em um poema
Como um soldado morto era desenterrado e
Sob o júbilo de todos os enganadores do povo
Sanguessugas e opressores
Conduzido de volta ao campo de batalha. Agora que preparam uma nova
Grande Guerra
Resolvidos a superar inclusive as barbaridades da última
Eles matam ou expulsam gente como eu
Que denuncia
Seus golpes.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Notícia sobre um náufrago
Quando o náufrago pisou em nossa ilha
Chegou como alguém que alcançou seu destino. Quase acredito que ao nos ver
A nós que havíamos corrido a ajudá-lo
Ele imediatamente sentiu compaixão. Já desde o início
Ocupou-se apenas de nossas coisas
Com a experiência do seu naufrágio
Ensinou-nos a velejar. Mesmo coragem
Ele nos instilou. Das águas tempestuosas
Falava com grande respeito, talvez
Por terem vencido um homem como ele. Sem dúvida
Haviam assim revelados muitos de seus truques. Este conhecimento faria de nós, alunos dele
Homens melhores. Sentindo falta de certas comidas
Ele melhorou nossa cozinha. Embora visivelmente insatisfeito consigo
Jamais se deixou ficar satisfeito com o estado de coisas
Em torno dele e de nós. Nunca, porém
Durante todo o tempo em que passou conosco
Ouvimo-lo queixar-se de outro alguém que não ele mesmo. Morreu de uma velha ferida. Já no leito
Experimentou um novo nó para nossas redes. Assim
Morreu aprendendo.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Sobre a decadência do amor
Suas mães deram à luz com dor, mas suas mulheres
Concebem com dor.
O ato do amor
Não mais vingará . O ajuntamento ainda ocorre, mas
O abraço é um abraço de lutadores. As mulheres
Ergueram o braço em defesa, enquanto
São cingidas por seus possuidores.
A rústica ordenhadora, conhecida
Por sua capacidade de no abraço
Sentir prazer, olha com desprezo
Suas infelizes irmãs vestidas em peles
Que recebem por cada meneio do traseiro bem-cuidado
A fonte paciente
Que deu de beber a tantas gerações
Vê com horror como a última
Lhe bebe a porção com expressão amarga.
Todo animal sabe fazê-lo. Entre esses
É tido como uma arte.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

A queima de livros
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder. Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me Como um mentiroso! Eu lhes ordeno: Queimem-me!
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Mau tempo para a poesia
Sim, eu sei: só o homem feliz
É querido. Sua voz
É ouvida com prazer. Seu rosto é belo.
A árvore aleijada no quintal
Indica o solo pobre, mas
Os passantes a maltratam por ser um aleijão
E estão certos.
Os barcos verdes e as velas alegres da baía
Eu não enxergo. De tudo
Vejo apenas a rede partida dos pescadores. Por que falo apenas Da camponesa de quarenta anos que anda curvada?
Os seios das meninas
São quentes como sempre.
Em minha canção uma rima
Me pareceria quase uma insolência.
Em mim lutam
O entusiasmo pela macieira que floresce
E o horror pelos discursos do pintor. Mas apenas o segundo
Me conduz à escrivaninha.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Sobre a seriedade na arte
A seriedade do homem que dá forma às jóias de prata
É igualmente benvinda à arte do teatro, e benvinda
É a seriedade das pessoas que trancadas
Discutem o texto de um panfleto. Mas a seriedade
Do médico inclinado sobre o doente já não é adequada
À arte teatral, e inteiramente imprópria é
A seriedade do padre, seja suave ou inquieta.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

As novas eras
As novas eras não começam de uma vez
Meu avô já vivia no novo tempo
Meu neto viverá talvez ainda no velho,
A nova carne é comida com os velhos garfos.
Os carros automotores não havia
Nem os tanques
Os aeroplanos sobre nossos tetos não havia
Nem os bombardeiros.
Das novas antenas vêm as velhas tolices. A sabedoria é transmitida de boca em boca.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Sobre a atitude crítica
A atitude crítica
É para muitos não muito frutífera
Isto porque com sua crítica
Nada conseguem do Estado. Mas o que neste caso é atitude infrutífera
É apenas uma atitude fraca. Pela crítica armada
Estados podem ser esmagados.
A canalização de um rio
O enxerto de uma árvore
A educação de uma pessoa
A transformação de um Estado
Estes são exemplos de crítica frutífera. E são também
Exemplos de arte.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Regresso
A cidade natal, como a encontrarei ainda? Seguindo os enxames de bombardeiros
Volto para casa. Mas onde está ela? Lá onde sobem
Imensos montes de fumaça. Aquilo no meio do fogo
É ela.
A cidade natal, como me receberá? À minha frente vão os bombardeiros. Enxames mortais
Vos anunciam meu regresso. Incêndios
Precedem o filho.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)

Facilidade
Vejam só a facilidade
Com que o rio poderoso
Rompe as barragens! O terremoto
Com mão indolente
Sacode o chão. O fogo terrível
Toma com graça
A cidade de mil casas
E a devora com gosto: Um comilão treinado.
(Brecht; poemas - 1913-1956. Trad. Paulo Cesar Souza. Brasiliense, 1986)
...

A Cruz de Giz
Eu sou uma criada. Eu tive um romance
Com um homem que era da SA. Um dia, antes de ir
Ele me mostrou, sorrindo, como fazem
Para pegar os insatisfeitos. Com um giz tirado do bolso do casaco Ele fez uma pequena cruz na palma da mão. Ele contou que assim, e vestido à paisana anda pelas repartições do trabalho
Onde os empregados fazem fila e xingam
E xinga junto com eles, e fazendo isso
Em sinal de aprovação e solidariedade
Dá um tapinha nas costas do homem que xinga
E este, marcado com a cruz branca ë apanhado pela SA. Nós rimos com isso. Andei com ele um ano, então descobri
Que ele havia retirado dinheiro
Da minha caderneta de poupança. Havia dito que a guardaria para mim
Pois os tempos eram incertos. Quando lhe tomei satisfações, ele jurou
Que suas intenções eram honestas. Dizendo isso
Pôs a mão em meu ombro para me acalmar. Eu corri, aterrorizada. Em casa
Olhei minhas costas no espelho, para ver
Se não havia uma cruz branca.
...

A Exceção e a Regra
Estranhem o que não for estranho. Tomem por inexplicável o habitual. Sintam-se perplexos ante o cotidiano. Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
...

A Fumaça
A pequena casa entre árvores no lago. Do telhado sobe fumaça
Sem ela
Quão tristes seriam
Casa, árvores e lago.
...

A Máscara Do Mal
Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa
Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado. Compreensivo observo
As veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mal
...

A Minha Mãe
Quando ela acabou, foi colocada na terra
Flores nascem, borboletas esvoejam por cima...
Ela, leve, não fez pressão sobre a terra
Quanta dor foi preciso para que ficasse tão leve!
...

Acredite Apenas
Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos
Ouvem!
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus
Ouvidos ouvem! Saiba também que não crer algo significa algo crer!
...

A Troca da Roda
Estou sentado á beira da estrada, o condutor muda a roda. Não me agrada o lugar de onde venho. Não me agrada o lugar para onde vou. Por que olho a troca da roda com impaciência?
...

As Boas Ações
Esmagar sempre o próximo não acaba por cansar? Invejar provoca um esforço que incha as veias da fronte. A mão que se estende naturalmente dá e recebe com a mesma facilidade. Mas a mão que agarra com avidez rapidamente endurece. Ah! que delicioso é dar! Ser generoso que bela tentação! Uma boa palavra brota suavemente como um suspiro de felicidade!
...

Aos que virão depois de nós
I
Eu vivo em tempos sombrios. Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando falar sobre flores é quase um crime. Pois significa silenciar sobre tanta injustiça? Aquele que cruza tranqüilamente a rua já está então inacessível aos amigos que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver. Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado. (Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens! Mas como é que posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: Manter-se afastado dos problemas do mundo e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; Seguir seu caminho sem violência, pagar o mal com o bem, não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. Sabedoria é isso! Mas eu não consigo agir assim. É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem, quando a fome reinava. Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta e me revoltei ao lado deles. Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra. Eu comi o meu pão no meio das batalhas, deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção e não tive paciência com a natureza. Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondas em que nós perecemos, pensem, quando falarem das nossas fraquezas, nos tempos sombrios de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes, mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados! quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos: o ódio contra a baixeza também endurece os rostos! A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca! Infelizmente, nós, que queríamos preparar o caminho para a amizade, não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos. Mas vocês, quando chegar o tempo em que o homem seja amigo do homem, pensem em nós com um pouco de compreensão.
...

Com Cuidado Examino
Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável.
...

Como Bem Sei
Como bem sei
Os impuros viajam para o inferno
Através do céu inteiro. São levados em carruagens transparentes: Isto embaixo de vocês, lhe dizem
É o céu. Eu sei que lhes dizem isso
Pois imagino
Que justamente entre eles
Há muitos que não o reconheceriam, pois eles
Precisamente
Imaginavam-no mais radiante
...

Da Sedução Dos Anjos
Anjos seduzem-se: nunca ou a matar. Puxa-o só para dentro de casa e mete-lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
Para que do choque no fim te não caia.
Exorta-o a que agite bem o cú
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –

Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.
Das Elegias
De Buckow
Viesse um vento
Eu poderia alçar vela. Faltasse vela
Faria uma de pano e pau.
...

De Que Serve A Bondade
1 De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2 Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.
...

Elogio da Dialética
A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros. Os dominadores se estabelecem por dez mil anos. Só a força os garante. Tudo ficará como está. Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores. No mercado da exploração se diz em voz alta: Agora acaba de começar: E entre os oprimidos muitos dizem: Não se realizará jamais o que queremos! O que ainda vive não diga: jamais! O seguro não é seguro. Como está não ficará. Quando os dominadores falarem falarão também os dominados. Quem se atreve a dizer: jamais? De quem depende a continuação desse domínio? De quem depende a sua destruição? Igualmente de nós. Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem! Quem reconhece a situação como pode calar-se? Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã. E o "hoje" nascerá do "jamais".
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Elogio do Revolucionário
Quando aumenta a repressão, muitos desanimam. Mas a coragem dele aumenta. Organiza sua luta pelo salário, pelo pão e pela conquista do poder. Interroga a propriedade: De onde vens? Pergunta a cada idéia: Serves a quem? Ali onde todos calam, ele fala
E onde reina a opressão e se acusa o destino, ele cita os nomes. À mesa onde ele se senta se senta a insatisfação. À comida sabe mal e a sala se torna estreita. Aonde o vai a revolta e de onde o expulsam persiste a agitação.
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Epístola Sobre O Suicídio
Matar-se
É coisa banal. Pode-se conversar com a lavadeira sobre isso. Discutir com um amigo os prós e os contras. Um certo pathos, que atrai
Deve ser evitado. Embora isto não precise absolutamente ser um dogma. Mas melhor me parece, porém
Uma pequena mentira como de costume: Você está cheio de trocar a roupa de cama, ou melhor
Ainda: Sua mulher foi infiel (Isto funciona com aqueles que ficam surpresos com essas coisas
E não é muito impressionante.)
De qualquer modo
Não deve parecer
Que a pessoa dava
Importância demais a si mesmo
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Epitáfio Para Gorki
Aqui jaz
O enviado dos bairros da miséria
O que descreveu os atormentadores do povo
E aqueles que os combateram
O que foi educado nas ruas
O de baixa extração
Que ajudou a abolir o sistema de
Alto a
Baixo
O mestre do povo
Que aprendeu com o povo.
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Esse Desemprego!
Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego! Com satisfação acolhemos
Toda oportunidade
De discutir a questão. Quando queiram os senhores! A todo momento! Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento. Para nós é inexplicável
Tanto desemprego. Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego. Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
Para nós imprescindível. É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido! Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego! Ou qual a sua opinião? Só nos pode convir Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir. Mas a questão é: nosso desemprego Não será solucionado
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados!
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Eu Sempre Pensei
E eu sempre pensei: as mais simples palavras
Devem bastar. Quando eu disser como e
O coração de cada um ficará dilacerado. Que sucumbirás se não te defenderes
Isso logo verás.
Expulso
Por
Bom
Motivo
Eu cresci como filho
De gente abastada. Meus pais
Me colocaram um colarinho, e me educaram
No hábito de ser servido
E me ensinaram a dar ordens. Mas quando
Já crescido, olhei em torno de mim
Não me agradaram as pessoas da minha classe e me juntei
À gente pequena.
Assim
Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe
Suas artes, e ele
Denuncia-os ao inimigo. Sim, eu conto seus segredos. Fico
Entre o povo e explico
Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois
Estou instruído em seus planos. O latim de seus clérigos corruptos Traduzo palavra por palavra em linguagem comum,
Então
Ele se revela uma farsa. Tomo
A balança da sua justiça e mostro
Os pesos falsos. E os seus informantes relatam
Que me encontro entre os despossuídos, quando
Tramam a revolta. Eles me advertiram e me tomaram
O que ganhei com meu trabalho. E quando me corrigi
Eles foram me caçar, mas
Em minha casa
Encontraram apenas escritos que expunham
Suas tramas contra o povo. Então
Enviaram uma ordem de prisão
Acusando-me de ter idéias baixas, isto é
As idéias da gente baixa. Aonde vou sou marcado
Aos olhos dos possuidores. Mas os despossuídos
Lêem a ordem de prisão
E me oferecem abrigo. Você, dizem
Foi expulso por bom motivo.
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Ferro
No sonho esta noite Vi um grande temporal. Ele atingiui os andaimes Curvou a viga feita A de ferro. Mas o que era de madeira Dobrou-se e ficou.
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Jamais Te Amei Tanto
Jamais te amei tanto, ma soeur
Como ao te deixar naquele pôr do sol
O bosque me engoliu, o bosque azul, ma soeur
Sobre o qual sempre ficavam as estrelas pálidas
No Oeste. Eu ri bem pouco, não ri, ma soeur
Eu que brincava ao encontro do destino negro - Enquanto os rostos atrás de mim lentamente
Iam desaparecendo no anoitecer do bosque azul. Tudo foi belo nessa tarde única, ma soeur
Jamais igual, antes ou depois - É verdade que me ficaram apenas os pássaros
Que à noite sentem fome no negro céu.
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Lendo Horácio
Mesmo o diluvio
Não durou eternamente. Veio o momento em que
As águas negras baixaram. Sim, mas quão poucos
Sobreviveram!
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Louvor ao Estudo
Estuda o elementar: para aqueles cuja hora chegou não é nunca demasiado tarde. Estuda o abc. Não basta, mas
Estuda. Não te canses.
Começa. Tens de saber tudo. Estás chamado a ser um dirigente. Freqüente a escola, desamparado! Persegue o saber, morto de frio!
Empunha o livro, faminto! É uma arma! Estás chamado á ser um dirigente. Não temas perguntar, companheiro! Não te deixes convencer! Compreende tudo por ti mesmo.
O que não sabes por ti, não o sabes. Confere a conta. Tens de pagá-la. Aponta com teu dedo a cada coisa e pergunta: "Que é isto? e como é?" Estás chamado a ser um dirigente.
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Na Guerra Muitas Coisas Crescerão
Ficarão maiores
As propriedades dos que possuem
E a miséria dos que não possuem
As falas do guia*
E o silêncio dos guiados.
*Führer
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Na Morte De Um Combatente Da Paz
Á memória de Carl von Ossietzky
Aquele que não cedeu
Foi abatido
O que foi abatido
Não cedeu. A boca do que preveniu
Está cheia de terra. A aventura sangrenta
Começa. O túmulo do amigo da paz
É pisoteado por batalhões. Então a luta foi em vão? Quando é abatido o que não lutou só
O inimigo
Ainda não venceu.
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Nada É Impossível De Mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
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Não Necessito De Pedra Tumular
Não necessito de pedra tumular, mas
Se necessitarem de uma para mim
Gostaria que nela estivesse: Ele fez sugestões
Nós as aceitamos. Por tal inscrição
Estaríamos todos honrados.
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No Muro Estava Escrito Com Giz:
Eles querem a guerra. Quem escreveu Já caiu.
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No Segundo Ano De Minha Fuga
No segundo ano de minha fuga
Li em um jornal, em língua estrangeira
Que eu havia perdido minha cidadania. Não fiquei triste nem alegre Ao ver meu nome entre muitos outros
Bons e maus. A sina dos que fugiam não me pareceu pior
Do que a sina dos que ficavam.
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O Analfabeto Político
"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo." Nada é impossível de Mudar "Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar." Privatizado "Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence."
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O Maneta No Bosque
Banhado de suor ele se curva
Para pegar o graveto. Os mosquitos
Espanta com um movimento de cabeça. Com os joelhos
Amarra a lenha com dificuldade. Gemendo
Se apruma, ergue a mão
Para ver se chove. A mão erguida
Do temido
Guarda SS.
Antologia Poética de Bertolt Brecht
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O Nascido Depois
Eu confesso: eu
Não tenho esperança. Os cegos falam de uma saída. Eu Vejo. Após os erros terem sido usados
Como última companhia, à nossa frente
Senta-se o Nada.
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O Vosso Tanque General,
É Um Carro Forte
Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito - Precisa de um motorista
O vosso bombardeiro, general
É poderoso: Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito - Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil: Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito - Sabe pensar
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Os Esperançosos
Pelo que esperam? Que os surdos se deixem convencer
E que os insaciáveis
Lhes devolvam algo? Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los! Por amizade
Os tigres convidarão
A lhes arrancarem os dentes! É por isso que esperam!
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Os que lutam
"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."
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Os maus e os bons
"Os maus temem tuas garras
Os bons se alegram de tua graça. Algo assim
Gostaria de ouvir
Do meu verso."
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Para Ler De Manhã E À Noite
Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim. Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.
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Perguntas De Um Operário Que Lê.
Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilônia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a
Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem Triunfaram os Césares? A tão cantada
Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sòzinho? César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais? Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitòria. Quem cozinhava os festins? Em cada década um grande homem. Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas
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Poesia do Exílio
Nos tempos sombrios se cantará também? Também se cantará sobre os tempos sombrios.
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Precisamos De Você.
Aprende - lê nos olhos, lê nos olhos - aprende a ler jornais, aprende: a verdade pensa com tua cabeça.
Faça perguntas sem medo não te convenças sozinho mas vejas com teus olhos. Se não descobriu por si na verdade não descobriu.
Confere tudo ponto por ponto - afinal você faz parte de tudo, também vai no barco, "aí pagar o pato, vai pegar no leme um dia.
Aponte o dedo, pergunta que é isso? Como foi parar aí? Por que? Você faz parte de tudo.
Aprende, não perde nada das discussões, do silêncio. Esteja sempre aprendendo por nós e por você.
Você não será ouvinte diante da discussão, não será cogumelo de sombras e bastidores, não será cenário para nossa ação
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Privatizado
"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence."
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Quem Não Sabe De Ajuda
Como pode a voz que vem das casas
Ser a da justiça
Se os pátios estão desabrigados? Como pode não ser um embusteiro aquele que
Ensina os famintos outras coisas
Que não a maneira de abolir a fome? Quem não dá o pão ao faminto
Quer a violência
Quem na canoa não tem
Lugar para os que se afogam
Não tem compaixão. Quem não sabe de ajuda
Que cale.
...

Quem Se Defende
Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legítima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão. E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre
Não lhe é permitido se defender.
...

Refletindo Sobre O Inferno
Refletindo, ouço dizer, sobre o inferno
Meu irmão Shelley achou ser ele um lugar
Mais ou menos semelhante a Londres. Eu
Que não vivo em Londres, mas em Los Angeles
Acho, refletindo sobre o inferno, que ele deve
Assemelhar-se mais ainda a Los Angeles. Também no inferno Existem, não tenho dúvidas, esses jardins luxuriantes
Com as flores grandes como árvores, que naturalmente fenecem Sem demora, se não são molhadas com água muito cara. E mercados de frutas
Com verdadeiros montes de frutos, no entanto
Sem cheiro nem sabor. E intermináveis filas de carros
Mais leves que suas próprias sombras, mais rápidos
Que pensamentos tolos, automóveis reluzentes, nos quais
Gente rosada, vindo de lugar nenhum, vai a nenhum lugar. E casas construídas para pessoas felizes, portanto vazias
Mesmo quando habitadas. Também as casas do inferno não são todas feias
Mas a preocupação de serem lançados na rua
Consome os moradores das mansões não menos que
Os moradores do barracos
...

Se Fôssemos Infinitos
Fôssemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece.
...

Sobre A Violência
A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito do rio que a contém
Ninguém chama de violento.
A tempestade que faz dobrar as bétulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?
...

Soube
Soube que
Nas praças dizem de mim que durmo mal
Meus inimigos, dizem, já estão assentando casa
Minhas mulheres põem seus vestidos bons
Em minha ante-sala esperam pessoas
Conhecidas como amigas dos infelizes. Logo
Ouvirão que não como mais
Mas uso novos ternos
Mas o pior é: eu mesmo
Observo que me tornei
Mais duro com as pessoas.
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Também o Céu
Também o céu às vezes desmorona
E as estrelas caem sobre a terra
Esmagando-a com todos nós. Isto pode ser amanhã.
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Tempos Sombrios
Realmente, vivemos tempos sombrios! A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas denota insensibilidade. Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia que está para chegar. Que tempos são estes, em que é quase um delito falar de coisas inocentes, pois implica em silenciar sobre tantos horrores.
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Se os Tubarões Fossem Homens
Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não moressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.
Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.
Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros. As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões. A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.
Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.
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Um Homem Pessimista
Um homem pessimista
É tolerante. Ele sabe deixar a fina cortesia desmanchar-se na língua Quando um homem não espanca uma mulher
E o sacrifício de uma mulher que prepara café para seu amado
Com pernas brancas sob a camisa - Isto o comove. Os remorsos de um homem que
Vendeu o amigo
Abalam-no, a ele que conhece a frieza do mundo
E como é sábio
Falar alto e convencido
No meio da noite.
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Esse Desemprego
Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego!
Com satisfação acolhemos
Toda oportunidade
De discutir a questão.
Quando queiram os senhores! A todo momento!
Pois o desemprego é para o povo
Um enfraquecimento.
Para nós é inexplicável
Tanto desemprego.
Algo realmente lamentável
Que só traz desassossego.
Mas não se deve na verdade
Dizer que é inexplicável
Pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
Para nós imprescindível.
É preciso que nos deixem valer
Pois seria mais que temível
Permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!
Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego!
Ou qual a sua opinião?
Só nos pode convir
Esta opinião: o problema
Assim como veio, deve sumir.
Mas a questão é: nosso desemprego
Não será solucionado
Enquanto os senhores não
Ficarem desempregados!
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Antologia Poética de Bertolt Brecht
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Querida Julieta


Amor

por Diana Garrido
16.06 2010


O Clube Julieta, em Verona, Itália, dedica-se a responder as milhares de cartas enviadas todos os anos à personagem de Shakespeare

Julieta Capuleto morreu por amor. Um beijo envenenado ao seu Romeu e o casal mais apaixonado da história do teatro desaparece, deixando uma dor nos espectadores que, por algum milagre, esperam sempre que daquela vez, só daquela, o desfecho que Shakespeare escreveu há 415 anos seja diferente.

Nem Baz Luhrmann, com a sua versão cinematográfica moderna, de 96, com Leonardo DiCaprio e Claire Danes como casal romântico, lhe alterou o final. Pistolas sim, final feliz é que não.

Em Verona, Itália, local onde todo o drama se passa, há um clube especial. Chama-se Clube Julieta e foi fundado nos anos 70 por Giulio Tamassia, como associação cultural e grupo de amigos.

O objetivo era promover tertúlias, concertos e exposições ligadas a Verona e a Romeu e Julieta. No entanto, em 89, o clube assumiu outras funções: responder às centenas de cartas dirigidas a Julieta enviadas de todo o mundo.

Estas cartas falavam de desgostos de amor, dúvidas românticas, sobressaltos do coração que pediam o consolo das palavras sábias da personagem de Shakespeare.

Foi o guardião do túmulo (a fingir) de Julieta, no final dos anos 30, que iniciou a tradição ao responder às missivas deixadas na tumba pelos visitantes. A coisa pegou e hoje o Clube Julieta conta com 15 voluntários que acalmam sobressaltos do coração de estranhos.

Giovanna Tamassia tem 45 anos e até há pouco tempo trabalhou como tradutora. Hoje dedica-se ao clube a tempo inteiro. Os voluntários, dois homens e 13 mulheres, têm idades entre os 20 e os 50 anos e ocupações tão diferentes como guias turísticos, professores, estudantes ou donas de casa.

As cartas, que chegam de todo o mundo, são "na maioria enviadas por mulheres", conta Giovanna. "São todas diferentes e contam histórias reais. A semana passada recebemos uma de uma mulher de 21 anos que está apaixonada por um oficial da marinha que está longe em missão. Ela descreve o amor deles como profundo, louco, rebelde. O problema é que está gravemente doente e resta-lhe pouco tempo de vida. Como sabe que ele não consegue viver sem ela, pede que Julieta reze por ele..."

Nem sempre é fácil responder às cartas. Giovanna recorda uma mulher polaca que conheceu um homem da Síria pela internet, pelo qual se apaixonou: "Chegaram a conhecer-se pessoalmente e ela queria ir viver com ele em Abu Dabi e pedia a Julieta que a aconselhasse. Não soube o que responder. Acabei eu também por pedir conselhos e escrevi-lhe que tivesse muito cuidado: e se ele tivesse outra mulher?"

Às vezes as histórias e relatos são tão sentidos e dramáticos que Giovanna não consegue evitar as lágrimas: "A história de um homem que tinha perdido o amor da sua vida, devido a alguns erros que tinha cometido no passado, comoveu-me. Estava preso, mas a forma como escreveu acerca da mulher que amava e tinha perdido era tão sentida e profunda que me fez chorar. Nestas alturas é difícil encontrar as palavras certas para confortar as pessoas."

Apesar de muitas cartas chegarem por email, há ainda muitos que preferem o método tradicional das cartas escritas à mão e enviadas pelo correio: é mais romântico.

Os voluntários do clube respondem a dez cartas por dia, entre todos. Para quem escrever a missiva mais bonita e romântica há o prémio anual "Querida Julieta". O vencedor é convidado a passar um fim-de-semana em Verona. Mas antes que se sente a escrever, munido de dicionário e poemas inspiradores, Giovanna avisa: "As cartas mais bonitas são sempre as espontâneas."