Datas - Clint Eastwood, 80



por Rui Tovar
31 de Maio de 2010

Ele hoje faz 80 anos de uma vida plena de sucesso e repleta de inimigos

O famoso Control+Alt+Delete é a perfeita combinação para qualquer contratempo informático. Se a página da internet não abre, Ctrl+Alt+Del. Se o documento Word demorar mais de cinco segundos a dar sinais de si, Ctrl+Alt+Del. Se a ampulheta aparecer no meio do ecrã com/sem motivo aparente, Ctrl+Alt+Del.


É a técnica Microsoft/Bill Gates para tudo o que der errado. Isso é impossível ser feito na vida das pessoas como nós. Na dos heróis, já é possível.

Tomemos como exemplo o caso de Clint Eastwood, que hoje faz 80 anos. De Rawhide e spaghetti western ao Dirty Harry e Imperdoável, ele tornou-se o American macho que na vida real não é mais que um serial womaniser. Mas Clint é isso e muito mais. Para o bem e para o mal.

O BOM - Comecemos pelo fim, pela carreira (brilhante) de realizador de Eastwood, vencedor de dois Óscares (Imperdoável em 1993 e Million Dollar Baby em 2005) em quatro nomeações. Nos EUA, não há ninguém que o supere em mediatismo e reconhecimento. Uma jornalista do "Guardian" foi entrevistá-lo há dois anos a Nova Iorque e ainda antes de o conhecer pessoalmente, já o conhecia...

No aeroporto JFK, o polícia encarregado de vistoriar o passaporte dela perguntou-lhe, com aquele ar sisudo que se impõe quando se é da autoridade, o que é que ia fazer.

Quando a resposta foi "entrevistar Clint Eastwood", como que se lhe estendeu uma passadeira vermelha à sua frente. "Adoro esse gajo, diga-lhe olá por mim, se faz favor", enquanto estampava alegremente uma folha do passaporte.

No táxi, a conversa foi dar ao mesmo. E o homem ao volante não perdeu tempo e desenvolveu as frases mais comuns de Clint/Dirty Harry: "Go ahead and make my day" e "Do ya feel lucky, punk? Well, do ya?" gritava ele através do vidro que separa o condutor do passageiro.

No check-in do hotel, mais um devoto. "Diga-lhe que ele tem um fã aqui em baixo, no hall. Quero dizer, jeez, ele é uma lenda viva." Os homens têm uma ligação com Clint. Em parte, pela maneira como ele transformou a sua imagem num ícone, graças àquele arcaboiço intimidador e ao seu olhar desafiador.

O MAU - Em parte, também, porque Clint é o actor/herói mais célebre da história do cinema, em termos de sucesso de bilheteira nos anos 70 e 80, à conta de personagens que iam contra o sistema e contra as regras.

Nos seus 59 filmes, Clint está quase sempre no centro das atenções, mas nunca como o mau da fita. Ou é o cowboy rude, que assim tem de ser para combater os maus numa terra sem lei, ou é o polícia vingativo, que assim tem de ser para contornar uma sociedade conspurcada. Das duas, uma. Mas sempre pronto para fazer justiça com as próprias mãos. Com economia de palavras e um sem número de expressões gestuais.

E talento? Sergio Leone, o realizador da trilogia Por um Punhado de Dólares, Por Mais Alguns Dólares e O Bom, o Mau e o Vilão, em que Clint é o homem sem nome, sempre disse que gostava do actor porque ele só tinha duas expressões: "uma com o chapéu e outra sem o chapéu".

O VILÃO - Em parte, o endeusamento do povo americano (e não só) em relação a Clint deve-se a essa imagem criada pelos filmes heróicos, alicerçada agora pela carreira (brilhante, acrescente-se do
bom, do mau e do vilão novamente) de realizador.

Mas este tem duas caras. E Patrick McGilligan, escritor de algumas das mais soberbas biografias de cineastas (George Cukor, Alfred Hitchcock, Fritz Lang, Robert Altman), expõe essa evidência. "Quando escrevi o livro de Jack Nicholson, ele não colaborou, mas nunca recusou as minhas chamadas ou ficou de responder às minhas cartas”.

Com Clint Eastwood, foi diferente. Porque Clint é respeitado como poucos, uma lenda viva e um homem onipotente em Hollywood, ele gere a sua imagem como quer e só é entrevistado por jornalistas do sistema, que fazem as perguntas banais e escrevem os artigos politicamente correctos, sem entrar na verdadeira teia de problemas, casos e controvérsia.

O livro avança pela vida do cineasta como o detective Harry Callahan num dia de terror em São Francisco: com contundência. Depois de seguir o rasto aos seus antepassados desde que chegaram aos EUA - o primeiro Eastwood nasceu neste país em 1746 -, o biógrafo começa pelo início, pelo dia do nascimento de Clinton Jr., a 31 de Maio de 1930, em São Francisco.

Pesa mais de seis quilos (6,2 kgs), e esta é a única informação que bate certo com a outra biografia do cineasta, a única autorizada, escrita por Richard Schickel, um jornalista que se baba perante Eastwood. Na de McGilligan, a vida real de Clint não é atravessada por rebeldia ou solidão.

Nem ele era tão introvertido como deixou transparecer no tal livro de Schickel. Nem era tão dotado musicalmente. Nem era assim tão talentoso na interpretação de personagens. Nem passava o tempo em contacto com a natureza - a sua mãe, que morreu em 2006, com 96 anos de idade, nega que Clint tenha passado muito tempo no rancho da avó, como afirma a mitologia oficial.

Nem ganhou os títulos académicos que se diz, embora tenha sido nadador - salvador, como Ronald Reagan, Gary Cooper e John Wayne nos seus early days, e tenha evitado ir para a guerra da Coreia porque era professor de natação no quartel-general.

A sua elevada estatura - 1,92 metros de altura - permite-lhe o salto para Hollywood, onde ganha fama... junto das mulheres, que marcam a sua vida profissional e artística.

Pai de sete filhos de cinco mulheres (casou-se duas vezes), o cineasta só é fiel à sua actual companheira, que conheceu durante uma entrevista. À medida que o livro avança, o biógrafo revela-se cada vez mais implacável. Por culpa da rigidez de Clint, que, pelos vistos, usa, espreme e menospreza as mulheres. E os amigos também. A umas e a outros, esquece-os da mesma forma: um dia deixa de telefonar e é como se nunca tivessem existido.

McGilligan, contactado por email, diz que ficou espantado com a quantidade de pessoas que lhe queriam contar episódios sobre Clint. Inclusive um realizador que o dirigiu no cinema e na televisão:
"'Só falo consigo se me prometer que não escreve um livro lamechas'. E eu pensava que ele era um amigo íntimo dele!" O que há é muito medo e fontes anónimas.

Até um professor de um colégio onde Clint andara a estudar telefonou à produtora Eastwood (Malpaso) a pedir autorização.
Não houve mais conversa entre esse professor e McGilligan, que abre o livro sem medo:

"Como actor, tem as suas limitações e procurou sempre trabalhar com realizadores que não o levassem ao limite. Como realizador, é extremamente competente e tem visão. Mas nunca escreveu nada e roda o filme com o que lhe cai no colo, sem rever o que quer que seja nem falar com quem quer que seja. Não me parece que isso seja argumento de peso no caso de um génio com nome feito no mundo do cinema. Interessa-me mais o actor-autor do que o realizador, mas essa faceta tem vindo a ganhar cada vez mais notoriedade."

Resumindo, Clint é um supervendedor de si mesmo, da sua imagem e do seu cinema. Acima de tudo, converteu-se na personificação dos EUA, e nem sempre com as suas melhores qualidades.

É preciso Ctrl+Atl+Del? Na versão papel, isso não resulta. É o mesmo caso das biografias não-autorizadas.
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