A Arte do Corpo




Por Sastre Reis

Pablo Picasso considerava essencial “pintar com a expressão pura de uma criança”.

Esse é um exercício difícil, atendendo a que na maioria das sociedades humanas, ser criança na fase adulta é considerado um desvio, um sintoma de imaturidade. Existem, felizmente, excepções a este conceito generalizado.

Podemos encontrar uma dessas excepções nas margens do rio Omo, que atravessa a Etiópia, o Sudão e o Quénia.

Estas margens são habitadas há mais de 120 mil anos e a excepção em causa está localizada numa particular região vulcânica da Etiópia, região onde os povos Mursi e Surma se estabeleceram.

Estes povos desenvolveram uma grande interacção com o meio envolvente, aprendendo a ser rio e floresta.

A actividade vulcânica da região ofereceu-lhes uma imensa paleta de cores, como se, no seu mundo, o arco-íris brotasse da terra e não do céu.
Pintam os seus corpos de forma impulsiva, com uma criatividade infantil, primitiva, á maneira de Paul Klee e de Tapiés.

O corpo é a tela. Na tela-corpo nascem motivos, coloridos, que objectivam o desejo e o prazer de ser belo, de seduzir, de exteriorizar emoções.

Acto milenar, sempre criado de novo, num eterno retorno, ameaçado pela construção de três imensas barragens e uma central hidroeléctrica, o projecto Gilgel Gibe, que visa gerar electricidade para Adis Abeba.

Vão ser submersos 120 mil anos de cultura do vale do Omo. Fica mais longe o sonho de Picasso.
E a expressão pura das crianças será substituída pelos inexpressivos olhares vazios…

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