Entrevista com uma feminista corporativa


Entrevista - Avivah Wittenberg-Cox

“Os homens estão muito tristes porque a era deles está a chegar ao fim"


por Bruno Faria Lopes
3 de Junho de 2010


Para Avivah Wittenberg-Cox, uma das pensadoras mais influentes do novo feminismo na gestão, a crise abriu a porta à entrada das mulheres para os lugares de topo

Avivah Wittenberg-Cox tem os números todos na cabeça e os argumentos bem oleados: as mulheres dominam nas universidades (60%), mas são ainda caso raro (menos de 20%) na liderança de governos e organizações.

Defender hoje o acesso das mulheres à liderança não é uma questão de direitos, mas de boa gestão pública e privada, defende esta consultora, apontada pela revista "The Economist" em 2010 como um dos expoentes do "novo feminismo" no mercado de trabalho.

A mudança já está em curso e os homens não têm nada que temer - "o fim do monopólio dos homens sobre a liderança na gestão vai libertá-los da camisa-de-força da responsabilidade", ironiza Wittenberg-Cox.

O i entrevistou-a em Paris, à margem da conferência anual da OCDE sobre recuperação económica e emprego - era uma de duas mulheres num painel de oito pessoas.

Escreveu uma vez que o reequilíbrio entre sexos na liderança não tem a ver com ser "simpático com as mulheres". Tem a ver com o quê?

Não me importo que sejam simpáticos com as mulheres... Esta questão tornou-se económica e de negócio. Os dados em 2010 são assombrosos e ninguém olha para eles. Cerca de 60% dos diplomados na União Europeia hoje são mulheres - é o mesmo valor que na América do Norte. Na China são 52%, no Irão 60%, nos Emirados Árabes Unidos 70%.

Por todo o globo, o que não notámos é que as mulheres se transformaram na maior fonte de talento com formação avançada. Isto tem acontecido gradualmente, mas atinge hoje proporções espantosas. A primeira questão é saber se as empresas estão a usar este talento.

É o principal argumento?

Este é o pilar do talento, o segundo pilar é o do mercado. As mulheres decidem a compra de 80% dos bens de consumo - e se o consumo antes significava roupa e cosméticos hoje significa carros, serviços financeiros, computadores. Em quase tudo as mulheres são a maior influência sobre a decisão de compra.

Outra questão: esta realidade está ser considerada pelas empresas na sua pesquisa de mercado e comunicação?

Pensamos que não e que há uma oportunidade de negócio enorme. Há um terceiro pilar: a liderança. Aqui há indícios cada vez maiores de que uma liderança mais equilibrada entre sexos parece correlacionada com melhores resultados.

Na conferência na OCDE brincou com a ideia de que se o Lehman Brothers fosse um Lehman Sisters poderia ter encontrado um destino diferente - sugeriu que a crise financeira parte de uma visão masculina do mundo. Mas as mulheres são menos agressivas e competitivas que os homens?

É uma questão de linguagem, de objectivos, de visões e de sonhos diferentes. Ouvi homens no painel [da OCDE] dizerem que as mulheres são competitivas como eles. Claro que partilhamos características humanas - a questão está nas nossas prioridades, e essas são diferentes.

Eu evito o género de conversa "as mulheres são assim e os homens assado" porque facilmente leva a estereótipos. Somos complementares em vários sentidos que ainda não foram descritos e entendidos adequadamente. As mulheres trariam 60% das mentes com formação académica em todo o mundo, e esse argumento é suficiente. A garantia de desempenho quando se recrutam líderes numa fatia de apenas 40% é insuficiente e matematicamente não faz sentido.

Mais igualdade entre homens e mulheres passa pela discriminação positiva das mulheres no meio profissional?

Eu sou contra a discriminação positiva. Estou a trabalhar arduamente para remover aquela que existe hoje e que de forma inconsciente e sistémica favorece os homens. Eu trabalho com muitas empresas: há um sistema não consciente orientado para favorecer os homens. São os homens que decidem.

Concordo que ainda estamos a lutar pela igualdade neste ponto. Até agora assumíamos que igualdade significava tratar toda a gente exactamente da mesma maneira. Mas a igualdade num mundo multiétnico e mais equilibrado entre sexos significa entender as diferenças suficientemente bem para as gerir de forma eficiente.

Agora temos uma liderança principalmente masculina, que não percebe as diferenças entre homens e mulheres e tenta mesmo tratar uns e outros por igual. É esse o problema: quanto mais os homens tentam tratar toda a gente por igual, mais eficientemente eliminam as mulheres do recrutamento de talentos. Dizem: "Elas não são como nós, não são tão competentes."

Isso passa também por mudar a própria linguagem masculina usada no mundo empresarial?

No painel de ontem, aquele tipo [Anatole Kaletsky, jornalista e economista britânico] sugeriu que o capitalismo tem a ver com tigres e leões em luta pela sobrevivência na selva competitiva. Essa linguagem, usada rotineiramente nas empresas para motivar as pessoas, é muito agressiva e não motiva as mulheres. Os homens não sabem isso.

Entre as metáforas militares e desportivas e as referências a animais agressivos e à selva há um sistema de fala - o que revela sobre a motivação e o tom da cultura que representam é pouco atrante para as mulheres. O problema é que eles acusam as mulheres por não se sentirem atraídas. Têm de acordar e perceber que a linguagem deve mudar e as empresas também, e adaptar-se às mulheres.

Pelo menos para aqueles que são pagos para pensar, os tempos são fascinantes, de mudança...

Sim, os homens estão muito tristes porque a era deles está a chegar ao fim. O economista branco anglo-saxónico não está feliz. Todos os outros - os chineses, os brasileiros e a maioria das mulheres - vêem este tempo como uma das grandes oportunidades de uma vida.

Que países vão liderar esta mudança social? Vai ser mais difícil nos países latinos, por exemplo...

Vamos assistir a evoluções surpreendentes. Alguns grandes países emergentes podem saltar etapas. O mundo anglo-saxónico considera-se muito à frente neste tópico, mas eu diria que não. A China está à frente dos Estados Unidos no número de mulheres em posições de liderança no mundo empresarial.

O comunismo tinha um valor central de igualdade entre sexos que desconhecemos, e que deixou um legado na China e nos países da Europa de Leste, onde as mulheres ocupam mais posições sénior e de liderança.

No Brasil: quem é que Lula nomeou como sucessor? Uma mulher. A oposição é liderada por uma mulher. Veremos duas mulheres a lutar pela presidência? É algo que não veremos na Europa ocidental em muitos anos - veja o que se passou no Reino Unido, onde acabou de ser nomeado um dos governos mais desequilibrados entre sexos dos últimos 20 anos. A Índia acabou de votar quotas de 33% no parlamento.

Concorda com o sistema de quotas para mulheres?

Creio que ninguém gosta do sistema de quotas, homens ou mulheres. Não lhes chamaria discriminação positiva - acho que são um reequilíbrio do que era um desequilíbrio muito teimoso. Os homens não vão facilmente entregar o poder a pessoas que têm uma linguagem e uma forma de pensar diferentes.

As quotas no sector privado e no mundo político são diferentes. Na esfera política são extremamente úteis, e legítimas. O governo tem a ver com representação e democracia e se as mulheres não forem representadas no governo nunca o serão noutros lugares.

E as quotas no sector privado?...

Quanto às quotas no sector privado tenho uma posição menos segura. O foco nas quotas em conselhos de administração é útil como instrumento para despertar a consciência sobre o problema, mas estes conselhos não são exemplificativos de como as empresas são lideradas ao nível executivo.

Que grandes empresas estão a dar os passos certos?

É muito interessante - se olhar para as empresas na lista Fortune 500 e verificar quais são as equipas mais equilibradas entre sexos verá que estão nas empresas lideradas por mulheres. A forma mais
rápida é nomear uma administradora mulher.

Há outras formas e há outras empresas: as Xerox, Pepsico e eBays deste mundo equilibraram as suas equipas mais depressa que outras que estão a tentar fazê-lo, como a Procter and Gamble e a Johnson&Johnson, entre muitas outras. Mas não estamos sequer perto de um equilíbrio satisfatório.

Os homens gerem melhor os bastidores e o meio social na profissão ou isso é um cliché? As mulheres têm menos habilidade nessa área?

O facto de a estrutura de liderança ser dominada por homens que falam entre si, fazem networking e não comunicam facilmente essa informação a pessoas fora do seu clube - às mulheres em especial - é uma das grandes barreiras para as mulheres entenderem as regras do jogo.

As mulheres são melhores net-workers que os homens e todos sabemos isso - todo o homem sabe que a sua mulher é a única que faz networking (sorrisos). As mulheres fazem-no, mas como o seu nível de partilha de informação não é relevante para o poder, não as ajuda em termos de carreira. Os homens que partilham informações com os que estão no poder aprendem sobre os corredores, como se singra numa organização. As mulheres são hoje excluídas desse tipo de informação e isso não é um "problema delas" - é um problema da organização.

Os homens têm medo dos sinais da ascensão imparável das mulheres na hierarquia?

Gostaria que fosse isso, mas não estamos aí ainda. Acho que o medo pode chegar, mas por enquanto estamos numa total falta de consciencialização sobre o problema. Não têm medo porque não pensaram neste assunto dois minutos sequer nas suas carreiras.

Quanto tempo levará esta mudança? Nos últimos 50 anos houve mudanças em que ninguém acreditaria nessa altura. Penso que daqui a 50 anos a sensação será a mesma.
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