Fechar a Bolsa?

Criticar o mercado financeiro revela
o que o discurso empresarial se esforça para

acobertar: o enriquecimento rápido.
Claro, nem todos os empreendedores são afetados
por essa avidez desenfreada. Mas o fato é que
essa instituição conseguiu a proeza de instalar
na sociedade o fantasma da fortuna-relâmpago


por Frédéric Lordon*

Por pouco, a crise global não nos fez esquecer que as finanças “dos mercados” – denominação meio idiota, mas necessária para distingui-la – parecem desenvolver-se num universo fechado, longe de tudo e principalmente do resto da economia – ou seja, das finanças acionárias, aquelas dos proprietários dos meios de produção e, em última análise, dos assalariados.

Foi preciso uma onda de suicídios, tão delicadamente diagnosticada por Didier Lombart, presidente da France Télécom, para lembrarmos do desgaste cotidiano das finanças acionárias, cujas imposições de rentabilidade financeira foram implacavelmente convertidas em diminuição dos custos salariais, destruição metódica de qualquer possibilidade de reivindicação coletiva, intensificação extenuante da produtividade e degradação contínua das condições materiais, corporais e psicológicas de trabalho.

Contra todas as tentativas de contestação, é preciso repetir a ligação de causa e efeito que leva do poder acionário – do qual mais nada nas estruturas presentes do capitalismo retém as demandas extravagantes – a todas as formas de desamparo salarial.

E se as mediações que separam as duas extremidades da cadeia fazem com que se perca de vista a própria cadeia, se essa distância permanece o melhor meio da negação, nada pode apagar completamente a unidade de uma “causalidade de sistema” que a análise expressa com clareza1.

Sob esse aspecto, só o diretor do jornal Libération, Laurent Joffrin, juntando a inércia intelectual ao desejo de não ser contrariado, para sustentar que não há ideias na esquerda2.

O SLAM (Shareholder Limited Authorized Margin; margem acionária limite autorizada) é uma ideia3. A abolição da cotação contínua e sua substituição por um indexador mensal ou de vários semestres é outra4. Todavia, chega uma hora que se considera a questão de outra maneira: e se fechássemos a Bolsa?

Com o surgimento de ligações em cadeia entre as Bolsas, passando pela incessante repetição “Dow Jones-Nikkei”, logo essas deixaram a esfera das instituições sociais para se tornar algo quase natural, algo cuja supressão é simplesmente impensável.

É verdade que duas décadas e meia de repetição sistemática contínua fizeram bem para esse tipo de naturalização e, principalmente, para explicar que uma economia “moderna” não poderia conceber seu financiamento de outra maneira que não fosse por mercados e, entre eles, mercados de ações.

É claro que, para continuar a se desenrolar, esse discurso precisa calar todas as destruições correlatas do exercício do poder acionário, e a simples comparação de seus supostos benefícios econômicos e de seus custos sociais reais seria suficiente para mostrar de maneira inteiramente diferente o balanço da instituição “Bolsa”.

Aliás, a divisão em benefícios econômicos e custos sociais escapam a uma boa parte do fenômeno, pois as tendências à compressão salarial indefinida que resulta da exigência de rentabilidade acionária têm efeitos macroeconômicos.

O subconsumo crônico, que dela resulta, leva os geniais estrategistas das finanças a proporem às famílias a “acertarem as contas” utilizando o crédito, que se tornou a bengala permanente da demanda insuficiente – e cuja consequência é conhecida.

Financiamento

Ora, não significa muito dizer que as promessas positivas da Bolsa são duvidosas. Será que sem ela não há financiamento da economia?

Ou fundos próprios para empresas, que estariam então condenadas à insolvabilidade? E menos ainda desenvolvimento de start-ps, precursoras das revoluções tecnológicas?

No papel, o plano do conjunto impressiona. Agentes (os poupadores) têm recursos financeiros em excesso e procuram aplicações enquanto outros (as empresas) estão em busca de capitais: a Bolsa é essa forma institucional apropriada que poria todo esse belo mundo em contato e realizaria o encontro mutuamente vantajoso das capacidades de financiamento de uns e das necessidades de outros.

Ela faria melhor ainda: empregando recursos permanentes (diferentemente do endividamento, os capitais próprios, levantados pela emissão de ações, não são reembolsáveis), estabilizaria o financiamento e minimizaria o seu custo.

É, mas nada disso é confiável.

E a Bolsa financia as empresas? No ponto em que estamos, são sobretudo as empresas que financiam a Bolsa!

Para compreender essa reviravolta inesperada é preciso não perder de vista que os fluxos financeiros entre empresas e “investidores” têm duplo sentido e que se os segundos subscrevem emissões das primeiras, eles não deixam, simetricamente, de lhes absorver regularmente dividendos (em quantidade crescente) e, sobretudo, o buy-back, “inovação” característica do capitalismo acionário pelo qual as empresas são levadas a recomprar suas próprias ações para aumentar mecanicamente o lucro por ação e, com isso, levar os valores da Bolsa (portanto, a mais-valia dos investidores) à alta.

A coerência na incoerência do capital acionário, aliás, atinge picos, pois ao impor normas de rentabilidade financeira exorbitantes, ele força a abandonar um bom número de projetos industriais, incapazes de “ultrapassar o limite”, deixando as empresas com recursos financeiros inutilizados.

E logo denunciados como “capital ocioso”, com solicitação de restituí-lo instantaneamente aos “proprietários legítimos”, os acionistas – “uma vez que eles não sabem utilizá-lo, que nos devolvam!”

A partir de então, o que sai das empresas para os investidores predomina sobre o que se movimenta em sentido inverso... e dá seu sentido e sua legitimidade à instituição Bolsa.

Os capitais levantados pelas empresas tornaram-se inferiores aos volumes de dinheiro absorvidos pelos acionistas, e a contribuição líquida dos mercados de ações ao financiamento da economia tornou-se negativa (quase nula na França, mas colossalmente negativa nos Estados Unidos, nosso modelo para todos5).

É de se continuar estupefato diante de um resultado como esse quando, ao mesmo tempo, o volume financeiro que se investe nos mercados da Bolsa não para de crescer. O paradoxo é, de fato, muito simples de esclarecer: na falta de novas emissões de ações para absorvê-lo, esse volume simplesmente leva ao aumento da atividade especulativa nos mercados denominados “secundários” (os mercados de revenda das ações já existentes).

Além disso, sua expansão constante não tem por efeito financiar projetos industriais novos, mas alimentar a inflação dos ativos financeiros já em circulação. Os valores sobem e a Bolsa vai muito bem obrigado, mas o financiamento da economia real torna-se cada vez mais estranho: o jogo fechado em si mesmo da especulação é suficiente para fazer sua felicidade e, de fato, o volume da atividade nos mercados secundários esmaga literalmente o dos mercados primários (os mercados de emissão).

Especulação

Que a Bolsa como instituição de financiamento, por isso diferenciada da Bolsa como instituição de especulação, tenha se tornado inútil, as empresas é que poderiam falar melhor. Mas esse problema simplesmente não se coloca para as pequenas e médias, que não estão cotadas mesmo sendo maioria da produção e de emprego: elas passam bem sem a Bolsa.

E o que é mais surpreendente, as grandes empresas apelam muito pouco para ela também – salvo quando são tomadas pela vontade de entrar no jogo das fusões e das Ofertas Públicas de Compra (OPA).

Pois quando se trata de encontrar financiamento, o paradoxo permite que os grandes do CAC40, a Bolsa francesa, e do Dow Jones sejam vistos com mais frequência numa instituição bastante arcaica... o banco!

Uma saborosa ironia admite que haja aí menos o efeito de uma reticência filosófica do que da própria exigência acionária, que vê em toda nova emissão o inconveniente da diluição, portanto da baixa do benefício por ação.

Em suma, o triunfo do poder acionário consiste em dissuadir as empresas que pudessem se financiar na Bolsa!

E o que resta de financiamento bruto produzido pela Bolsa é disponibilizado ao custo vantajoso prometido por todos os discursos da desregulamentação? Bem, sabemos da taxa de juros que se deve pagar anualmente.

O “custo do capital” (neste caso, o custo dos fundos próprios) é uma questão menos evidente para se compreender. Por definição, os capitais próprios (levantados por emissões de ações) não têm taxa de remuneração predefinida como a dívida. Isso não quer dizer que não custem nada!

Mas, então, quanto? Muito sintomaticamente, a teoria financeira não pára de se interessar pelo “custo do capital”... mas sob o ponto de vista exclusivo do acionista! Isso não diz nada sobre o que custa concretamente à empresa financiar-se, aumentando ações mais do que obrigações, ou ainda indo ao banco.

Ora, o que ele custa à empresa está contido em três elementos: os dividendos e as buy-backs são os dois primeiros, aos quais é preciso acrescentar também os custos de oportunidade ligados aos projetos de investimento descartados por rentabilidade insuficiente, ou seja, todos os lucros aos quais a empresa teve de renunciar, sob a injunção acionária, a investir.

Tudo isso, no entanto, não se coloca facilmente sob a forma de uma “taxa” que possa ser conferida diretamente com a taxa de juro a fim de oferecer uma comparação de cada elemento dos custos de diferentes formas de capital (fundos próprios versus dívida).

O fato de que a dívida seja reembolsável e não os capitais próprios é uma primeira diferença perturbadora; inversamente, o dividendo é pago eternamente sobre as ações bem depois do fim do ciclo de vida do investimento que elas serviram para financiar; em assembleia-geral, as ações conferem um poder que a dívida não dá.

Na falta de comparação direta, pode-se pelo menos fazer uma análise diferencial e observar que um dos dois custos, o dos fundos próprios, teve uma evolução crescente: as buy-backs que eram desconhecidas desenvolveram-se em proporções consideráveis; quanto aos dividendos, pode-se medir seu crescimento na parte que ocupam no PIB francês, em que passaram de 3,2% a 8,7% entre 1982 e 2007.

Retomemos: contribuição líquida negativa e contribuição bruta fora do preço em que ela tinha sido prometida a custos sacrificados... Pergunta-se o que resta à Bolsa para continuar existindo – exceto os interesses particulares do capital financeiro, uma força inteiramente admirável, é verdade. A resposta é: outras ameaças e outras promessas.

A ameaça agita o espectro de uma “economia sem fundos próprios”. À primeira vista, ela tem peso, especialmente num período em que se denuncia, com toda razão, o crescimento descontrolado das dívidas privadas.

Ora, recusar às empresas os benefícios da Bolsa não significa reenviá-los aos mercados em que se negociam as obrigações ou ao crédito bancário, ou seja, mais dívida ainda e todo o poder aos banqueiros, espécie que a crise tornou tão simpática6?

Mas uma economia sem Bolsa não é absolutamente uma economia sem fundos próprios. Muito ocupada em se vangloriar de seus próprios charmes, a Bolsa acabou se esquecendo de que o essencial dos fundos próprios não vem dela, mas das próprias empresas, que “transportam” seus lucros para o ano seguinte, como dizem os contadores: todo ano, o fluxo de lucro da empresa vem aumentar o estoque de capital inscrito em seu balanço.

No entanto, diremos que a participação de fundos próprios externos (portanto, os dos acionistas) reveste uma importância particular precisamente quando a empresa vai mal e, por si só, não produz mais tantos fundos próprios internos por meio do lucro e de “transporte para o ano seguinte”.

O salvamento da empresa em dificuldade não revela a última virtude da intervenção acionária? A bela ideia é que, em geral, os que assumem a empresa para restabelecê-la se associam para investir o menos possível e para conduzir seu pequeno negócio, seja embolsando as subvenções públicas, seja prevendo revender algumas partes de comum acordo, seja beneficiando-se da arbitragem judicial para reestruturar as dívidas e se desembaraçar do assalariado.

Start-ups

Quando o círculo começa a se fechar e a lista dos supostos benefícios mingua, ouve-se o grito desesperado: “e as start-ups?!” As start-ups, a revolução tecnológica em andamento, a que nos deu a internet, aquela que enfim nos oferece logo genes renovados, como fazê-los desabrochar sem a Bolsa?

Certamente, foi possível se enganar um pouco no que se refere à realidade de seus benefícios, mas tudo será perdoado quando forem descobertos seus verdadeiros e insubstituíveis prodígios, promessas de futuros brilhantes. Talvez seja nesse registro profético do futuro tecnológico que o discurso sobre a Bolsa encontre seu último reduto.

Ora, é certo que o financiamento das start-ups parece escapar ao sistema financeiro clássico, e principalmente bancário. A particularidade dessas empresas nascentes está, de fato, ligada à dificuldade de seleção que ela apresenta aos possíveis financiadores pelo próprio fato do caráter inédito de suas apostas técnicas e da enorme incerteza que delas decorre, por falta de referências passadas com as quais compará-las.

Conhecemos o argumento: de cada dez start-ups financiadas, nove serão terríveis bolhas, mas talvez a décima, uma magnífica pepita que, bem conduzida até a Bolsa, terá êxito.

Ou seja: enriquecerá seus acionistas no início, denominados business angels (os anjos dos negócios), e os reconfortará por suas perdas anteriores. Essa economia da compensação, própria das novas empresas tecnológicas, tornará então “indispensável” a saída pela Bolsa e impossível o financiamento pelo crédito.

É preciso reconhecer que o argumento tem algum sentido. Não é preciso muita imaginação para vislumbrar uma taxa de juro que não seja mais fixada, mas definida como certa parte dos lucros, possivelmente passível de ser revista (na alta) nas primeiras etapas do ciclo de vida da empresa.

Se ela for efetivamente uma loteria, comprovará isso por seus benefícios, e essa compensação alegrará o banqueiro assim como aquela da Bolsa alegrava o business angel.

No entanto, aprofundando um pouco mais, acabaremos caindo na realidade menos gloriosa dos motivos que fazem manter os discursos gerais do financiamento com capital das start-ups e dos heróis tecnológicos.

A entrada na Bolsa tem como finalidade essencial enriquecer milhões de criadores de empresas e seus acompanhantes “anjos”. Acredita-se que sejam movidos pela ideia geral do progresso técnico, pelo bem-estar material da humanidade e pela paixão pelo empreendimento: na maioria das vezes, eles não têm outra ideia a não ser a de enriquecer o mais rápido possível e de se aposentar antecipadamente – não há teste mais devastador do que ver o que, retirada a promessa da fortuna com a Bolsa, restaria das tropas de valentes empreendedores.

Cortes com o rosto cheio de espinhas da nova economia, quantos não têm a ideia fixa de ganhar a vida bem rapidamente com um pequeno negócio passível de ser revendido pelo dobro do preço patrimonial?

Cabe observar que é da própria essência do capitalismo que os agentes não desenvolvam alguma atividade para nada. Sem dúvida, mas por um lado se poderia, consequentemente, nos evitar o sermão empresarial; por outro, uma coisa é desejar se enriquecer com a criação de sua empresa, outra coisa é só se dedicar a ela com a condição (mesmo que apenas em estado de esperança) de se enriquecer sem reservas, como se tornou a condição implícita sine qua non dos criadores de start-ups.

E é verdade: não é mais a remuneração do trabalho, ou até mesmo a renda proveniente do lucro da empresa que pode enriquecer nessa escala, mas a especulação na Bolsa e somente ela.

E eis o ponto final do discurso da Bolsa. Ela não é uma instituição para financiar empresas – elas não investem nela salvo para dela extraírem seu cash-flow; ela não é a rocha de uma “economia de fundos próprios” – esses vêm fundamentalmente de outros lugares, das próprias empresas; ela não é a providência que salva as start-ups da atrição financeira – poderia muito bem fazer de outra maneira; ela é uma máquina de fazer fortunas.

E pronto. Assim, criticar a Bolsa leva, sem dúvida alguma, a encontrar as verdadeiras forças motrizes que o discurso empresarial se esforça para acobertar: é somente uma questão de enriquecimento.

Não que todos os empreendedores sejam, por princípio, afetados por essa avidez desenfreada – aqueles que realmente têm vontade de construir alguma coisa são movidos por outras forças e não têm necessidade da fortuna patrimonial para desenvolver uma atividade.

Mas somente a Bolsa conseguiu instalar no corpo social esse fantasma, a partir de então mentalidade da fortuna relâmpago, legítima recompensa das elites econômicas.

Fechar a Bolsa não tem, portanto, somente a virtude de nos livrar do caráter nocivo acionário com base no custo econômico dos mais fracos, mas também o sentido de extirpar a ideia da fortuna-flash, que se tornou referência e motor para os bem-nascidos.

A Bolsa como espelho da fortuna é o operador imaginário, com efeitos bem reais, do deslocamento das normas do êxito monetário, e ele não é um ambicioso cujo caminho não passa por ela – para os outros, existe a Loteria, e para mais ninguém, relacionado a essa norma, o trabalho.

Além disso, a Bolsa tem essa notável propriedade de concentrar num único lugar o caráter nocivo econômico e simbólico, o que se deveria ver como uma razão suficiente para planejar lhe dar alguns sérios golpes.

Os argumentos anteriores não encerram definitivamente a discussão do fechamento da Bolsa, e certamente há ainda muitas objeções a refutar para se convencer de maneira decisiva juntar o gesto à palavra.

Apenas revelam que, pelo menos, é tempo de começar a pensar nisso.

* Frédéric Lordon é economista, autor de Jusqu'à quand? L'éternel retour de la crise financière (Até quando? O eterno retorno da crise
financeira), Raisons d'Agir, Paris, 2008.

Notas
1 La crise de trop. Reconstruction d’un monde failli, Paris, Fayard, 2009, capítulos 4 e 5.
2 “La gauche ne dit rien sur la crise financière”, ele hostilizou ainda no dia 20 de setembro de 2008 no France Inter.
3 “Enfin une mesure contre la démesure de la finance, o SLAM!, Le Monde diplomatique, fevereiro de 2007.
4 “Instabilité boursière: le fléau de la cotation em continu” no blog “La pompe à phynance”, site do Le Monde diplomatique.
5 Entre 2000 e 2005, a contribuição líquida dos mercados de ação para o financiamento de empresas francesas foi da ordem de apenas alguns bilhões de euros. No mesmo período, nos Estados Unidos, ela passou de 40 bilhões para 600 bilhões de euros! Somente a crise financeira interrompeu (provisoriamente) esses movimentos maciços de buy-back (Relatório anual da Autorité de marchés financiers, Paris, 2007).
6 Como sempre, é a oportunidade de se dar conta de que as transformações radicais se dão menos “por partes” do que por “blocos de coerência”. Refazer as estruturas das finanças necessita responsabilizar os mercados, mas também a estruturas bancárias. Sobre essa questão, ver La crise de trop, op.cit., cap. 3.

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