Argentina troca estátuas

O escultor Andrés Zerneri quer os verdadeiros heróis retratados em estátuas nas ruas de Buenos Aires. Para isso faz campanha de coleta de objeos de cobre geralmente chaves – para construir os monumentos.

A 14 de junho de 2008, com vários movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda, Andrés Zerneri inaugurou em Rosário a primeira estátua de bronze argentina em homenagem a Ernesto “Che” Guevara. A inauguração marcou os 80 anos do nascimento naquela cidade do médico e líder da revolução cubana junto com Fidel Castro.

A estátua de quatro metros consumiu três toneladas de bronze, ou cerca de 75 mil chaves. Che aparece como na foto de Alberto Korda, de boina, cabelos revoltos e olhar voltado para o futuro. Para recolher o bronze sindicatos operários e entidades civis fizeram uma campanha nacional de doação de objetos.

O escultor vai repetir o plano e desta vez homenageará os povos indígenas na figura da “Mulher Originária” – nome do projeto – de 10 metros de altura e milhares de quilos de bronze. É assim que Zerneri deseja marcar as comemorações do Bicentenário da Independência da Argentina neste 2010.

Todos os povos indígenas estarão representados no monumento na bandeira Wiphala (bandeira multicolor quadriculada que representa a união de todos os povos indígenas), enrolada em seus braços.

A obra será inaugurada em outubro próximo. A “Mulher Originária” só será considerada concluída pelo autor quando colocada no lugar da estátua do general Julio Roca, herói nacional oficial por ter dizimado uns 20 mil indígenas, principalmente do povo Mapuche no séc. 19 para “conquistar” o território da Patagônia.

O bronze começou a ser recolhido em escolas, sindicatos, bibliotecas, clubes e fábricas. A divulgação do projeto é feita de boca a boca. “A estátua é feita de bronze, mas não pedimos recursos porque não queremos interferência nem na construção, nem na divulgação. Essa é a forma mais difícil, mas mais legítima de realizar uma obra verdadeiramente coletiva”.

- Há décadas somos educados com histórias oficiais, como a de que Rocca é um herói assim como San Martí. Mas essa história é fundada em racismo, o próprio general chamava os indígenas de subhumanos – diz.

O apelo da obra sensibilizou nomes importantes do cinema argentino e tem o apoio de atores como Ricardo Darín e Julieta Diaz.

O espaço público do argentino é o campo de disputa do artista. A sua invasão e a releitura da história fazem parte do processo de sua criação coletiva. “Queremos mostrar que é possível reinventar a história dos monumentos impostos pelo poder, construídos sem nos consultar. Podemos inverter: o povo se organiza, constrói e doa o monumento ao Estado”, propõe Zerneri.